É viável recorrer à Justiça comum para reiniciar uma ação anteriormente extinta no juizado especial sem resolução de mérito, como resultado da desistência do autor. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça estabelece que essa atitude não implica má-fé processual, mas uma opção válida pelo procedimento mais abrangente. A Turma rejeitou o recurso especial de um prestador de serviços que alegou violação ao artigo 286, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC), após um consumidor desistir da ação no juizado especial para dar início à demanda na Justiça comum.
O caso envolveu um consumidor que inicialmente entrou com uma solicitação de indenização no juizado contra um fornecedor, alegando danos devido à má prestação de serviços de funilaria. Durante a conciliação, ele foi orientado a desistir do juizado especial e prosseguir na vara cível, apresentando estimativas de reparos no veículo e outras provas. A tentativa do prestador de serviços de alegar prevenção do juizado especial foi rejeitada nas instâncias inferiores.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, destacou que, conforme a jurisprudência do STJ, é prerrogativa do autor escolher entre ações no juizado especial cível estadual, regido pela Lei 9.099/1995, ou na Justiça comum, seguindo o Código de Processo Civil.
Ela observou: “A antiga Lei 7.244/1984, que regulamentava o juizado especial de pequenas causas, já previa, em seu artigo 1º, ser uma ‘opção do autor’ o processamento da ação no âmbito desse juizado”.
A relatora ressaltou que, além da natureza opcional da jurisdição do juizado especial civil estadual, a Lei 9.099/1995 não possui uma disposição semelhante ao artigo 286, inciso II, do CPC, que impõe consequências de prevenção para processos extintos sem resolução de mérito devido à desistência do autor.
De acordo com Nancy Andrighi, a Lei 9.099/1995 não impede que o autor desista da ação no juizado especial e posteriormente inicie um processo na Justiça comum, nem exige que a nova ação seja encaminhada ao juizado especial como dependente.
“Se a Lei 9.099/1995 não proibiu o autor de desistir da ação no juizado especial e entrar com uma nova ação na Justiça comum, não há base para a aplicação subsidiária do artigo 286, inciso II, do CPC, para sustentar uma suposta necessidade de distribuição dependente do juízo anterior do juizado especial”, afirmou a ministra ao rejeitar um dos argumentos do recorrente.
Nancy Andrighi enfatizou que o legislador não previu a aplicação subsidiária do CPC ao processo regido pela Lei 9.099/1995, ao contrário do que foi feito em relação ao processo penal.
“Quando o legislador quis aplicar uma norma específica do CPC ao microssistema do juizado especial cível, regulamentado pela Lei 9.099/1995, ele fez isso de forma explícita, como nos artigos 30, 51, 52 e 53 da Lei 9.099/1995 e nos artigos 985, I, e 1.062 do CPC/2015”, destacou a ministra.
Segundo a relatora, a impossibilidade de aplicação subsidiária do CPC ao procedimento do juizado especial está diretamente ligada à escolha facultativa do autor em relação a esse procedimento. Isso porque impor ao cidadão um sistema mais restritivo apenas devido ao valor pequeno ou à baixa complexidade de seu direito violaria os princípios de igualdade e acesso à Justiça.
Na visão da ministra, a opção por um procedimento mais abrangente é legítima, uma vez que o cidadão pode perceber a necessidade de uma instrução mais detalhada. Essa escolha também implica riscos assumidos pelo autor, dada a possibilidade de ônus de sucumbência e a maior quantidade de recursos à disposição da outra parte. Essas informações são provenientes da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.