A Advocacia-Geral da União solicitou ao Supremo Tribunal Federal a adoção de providências imediatas para coibir o uso da estrutura do Estado na propagação de fraudes e conteúdos enganosos em redes sociais. A petição foi protocolada nesta segunda-feira, 26, e destaca o uso indevido de sistemas públicos, logomarcas de órgãos federais e símbolos nacionais em campanhas digitais com informações falsas, muitas delas impulsionadas por anúncios pagos e recursos de inteligência artificial.
O documento, assinado pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, aponta que canais oficiais de parlamentares e servidores públicos têm sido usados para divulgar vídeos manipulados, montagens digitais e deepfakes com aparência de conteúdo jornalístico, frequentemente produzidos e distribuídos por grupos com interesses políticos, comerciais ou ideológicos. Esses conteúdos, segundo a AGU, geram receita por meio de publicidade nas plataformas.
A petição afirma que há uma “captura do aparato estatal para finalidades inconstitucionais”, configurando desvio de finalidade, abuso de poder e violação da Constituição.
Exemplos citados pela AGU incluem:
- Vídeos falsos com vozes de ministros do STF e congressistas, gerados por IA;
- Transmissões públicas editadas com legendas enganosas, sugerindo pronunciamentos inexistentes;
- Uso de identidade visual de órgãos públicos em vídeos manipulados;
- Mais de 300 anúncios identificados em plataformas da Meta oferecendo falsas indenizações do INSS, com imagens distorcidas de autoridades e símbolos oficiais;
- Divulgação de vídeos sobre supostas mortes de crianças brasileiras em desafios virais em redes como TikTok e Kwai.
A AGU também citou como exemplo o uso indevido da logomarca da Anvisa em anúncios fraudulentos sobre o medicamento Mounjaro, que simulavam reportagens e direcionavam usuários a supostos canais de venda.
Outro ponto levantado foi a associação de canais de parlamentares a conteúdos que promovem desinformação sobre urnas eletrônicas, vacinas e tentativas de ruptura institucional, aumentando a aparência de legitimidade e alcance desses materiais.
Diante disso, a AGU solicitou ao STF:
- A reafirmação de decisões anteriores que proíbem o uso da estrutura pública para disseminar desinformação;
- A notificação de órgãos e autoridades para controle e responsabilização quanto ao uso de seus canais;
- O incentivo ao cumprimento das decisões do STF no combate à desinformação digital.
O pedido será analisado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das milícias digitais, que já havia determinado investigações sobre o uso indevido de canais públicos para fins ilícitos.
Ligação com julgamento do Marco Civil
Essa nova manifestação se insere no contexto do julgamento do Tema 987 da repercussão geral, que trata da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Esse dispositivo condiciona a responsabilização civil das plataformas à existência de ordem judicial para a remoção de conteúdo ilícito.
Em manifestação anterior, de 22 de maio, a AGU já havia defendido que a tese fixada nesse julgamento contemple expressamente conteúdos gerados ou impulsionados por inteligência artificial, como deepfakes, montagens e manipulações com aparência jornalística.
Esse julgamento foi unificado ao do Tema 533, que trata da responsabilidade de plataformas por conteúdos de terceiros e da possibilidade de remoção extrajudicial em casos de violação de direitos de personalidade.
Até o momento, os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux votaram pela inconstitucionalidade do artigo 19, defendendo que em situações evidentes — como deepfakes e perfis falsos — as plataformas sejam responsabilizadas sem necessidade de ordem judicial. Já o ministro Luís Roberto Barroso defendeu uma posição intermediária, com manutenção da exigência judicial em casos de crimes contra a honra, sobretudo envolvendo figuras públicas.
O julgamento está suspenso após pedido de vista do ministro André Mendonça.