O presidente da OAB/RS, Leonardo Lamachia, encaminhou ofício aos três senadores gaúchos solicitando voto contrário à PEC 66/2023, que impõe limites percentuais ao pagamento de precatórios pelos municípios e abre novo prazo de parcelamento de débitos previdenciários. O documento alerta que a proposta representa “o maior calote de precatórios” desde 1988 e pode comprometer direitos garantidos pela Constituição Federal, além de violar decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a efetividade da coisa julgada.
Para Lamachia, a PEC constitui uma tentativa de perpetuar o inadimplemento das dívidas públicas reconhecidas judicialmente. “É inaceitável que se queira constitucionalizar mais um calote, postergando sine dieo cumprimento das obrigações devidas aos credores. Este é o maior calote desde a Constituição Federal de 1988 em relação a pagamento de precatórios”, afirmou, definindo a emenda como um grave ataque à segurança jurídica e ao direito de propriedade dos credores.
PROPOSTA ALTERA REGRAS PARA PAGAMENTOS
A PEC 66/2023 propõe inserir novo parágrafo no art. 100 da Constituição Federal, limitando o pagamento de precatórios municipais a 1% a 5% da receita corrente líquida, conforme o estoque de débitos em mora, e amplia o prazo de parcelamento de dívidas previdenciárias. Segundo o ofício da OAB/RS, essas medidas ferem o princípio da igualdade, pois criam tratamento desigual entre credores de entes solventes e menos solventes, e afrontam o precedente da ADI 4357 e outras decisões do STF que consideram inconstitucionais as tentativas de alongar indefinidamente o pagamento de precatórios.
De acordo com o presidente da Comissão Especial de Precatórios (CEP) da Ordem gaúcha, Marcelo Bitencourt, “A medida vem a ser uma grande afronta aos direitos fundamentais, segurança jurídica e princípio da confiança para os credores de precatórios no país”.
NOTA TÉCNICA DA OAB-RS REFORÇA POSICIONAMENTO CONTRÁRIO
A OAB/RS elaborou uma nota técnica detalhada sobre a PEC 66/2023, destacando os impactos da proposta no regime constitucional dos precatórios. O documento alerta para a criação de tetos percentuais da Receita Corrente Líquida (RCL) que, na prática, institucionalizam o inadimplemento estatal, comprometem a segurança jurídica, desconsideram a natureza alimentar de grande parte dos créditos e impõem novos obstáculos à atuação da advocacia.
Veja na íntegra a nota técnica da OAB/RS:
NOTA TÉCNICA DA OAB/RS SOBRE A PEC 66/2003 DOS PRECATÓRIOS
A Proposta de Emenda à Constituição nº 66, de 2023, em tramitação no Congresso Nacional, pretende alterar significativamente o regime constitucional de pagamento dos precatórios devidos pelos Municípios, Estado e Distrito Federal. Com a justificativa de viabilizar a sustentabilidade fiscal dos entes federativos, a PEC introduz mecanismos que, na prática, representam o enfraquecimento da coisa julgada, a postergação indefinida das obrigações judiciais e a institucionalização do inadimplemento municipal. Esta Nota Técnica tem por objetivo analisar criticamente os dispositivos propostos e alertar para os efeitos danosos da medida sobre a segurança jurídica, a responsabilidade fiscal e os direitos dos credores.
DO TETO PARA PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS PELOS ESTADOS, DF E MUNICÍPIOS
A PEC 66/2023 inclui os parágrafos 23 a 28 ao art. 100 da Constituição Federal, instituindo um teto percentual da Receita Corrente Líquida (RCL) para o pagamento de precatórios pelos Municípios, Estado e Distrito Federal. O limite varia entre 1% a 5% da RCL, conforme o estoque da dívida. Embora apresentada como medida de gestão fiscal, tal teto opera, na prática, como um limitador arbitrário que desobriga os entes de quitar a integralidade das dívidas judiciais reconhecidas, permitindo que o passivo se perpetue indefinidamente. A medida fere o princípio da separação dos Poderes, ao permitir que o Executivo, mesmo diante de decisões transitadas em julgado, estabeleça de forma discricionária a forma com que irá cumpri-las.
A PEC não leva em conta para definição desse limite de pagamento apenas um exercício, mas sim o estoque acumulado de anos. Na prática, isso piorará a situação e formará um estoque ainda maior, cada vez mais impagável.
Cabe frisar que a medida se aplica à totalidade de precatórios, sem distinguir precatórios alimentares e os preferenciais de idosos e pessoas doentes.
A PEC retira do limite de gastos os precatórios que forem usados para compensação ou negociados no mercado de paralelo, deturpando a finalidade que seria a satisfação do crédito do real titular do precatório.
REVOGAÇÃO DO PRAZO PARA QUITAÇÃO DO ESTOQUE DE PRECATÓRIOS
Outro ponto de preocupação é o art. 7º do substitutivo aprovado na Comissão Especial, que revoga expressamente o prazo fixado pela EC 109/2021 para a quitação do estoque de precatórios até 2029. Ao eliminar qualquer horizonte temporal de liquidação das dívidas, a PEC consolida um modelo de inadimplemento permanente, retirando dos credores a expectativa lícita de recebimento. A previsão anterior, embora criticável em alguns aspectos, ao menos assegurava um plano concreto de regularização. Sua revogação representa mais um retrocesso.
A retirada de um prazo certo para quitação de precatórios, somada à imposição de tetos extremamente baixos para os pagamentos, institucionaliza um verdadeiro calote estatal, travestido de planejamento fiscal. Essa lógica já foi enfrentada e rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente no julgamento das ADIs 4357 e 4425, que reconheceram a inconstitucionalidade da EC 62/2009 justamente por estabelecer um regime especial de precatórios que eternizava a mora estatal. Reintroduzir tais mecanismos, sob nova roupagem, representa um grave atentado à coisa julgada e ao próprio papel do Poder Judiciário.
O modelo proposto pela PEC 66/2023, ao permitir que entes federativos paguem apenas uma fração mínima de suas dívidas judiciais por ano, sem prazo final ou garantia de quitação, subverte a lógica da execução contra a Fazenda Pública, transforma o credor judicial em refém do devedor e estimula o uso da máquina pública como instrumento de inadimplemento sistemático. Tal situação gera insegurança jurídica, mina a credibilidade do sistema judicial e desincentiva o cumprimento voluntário das obrigações por parte do Estado.
APLICABILIDADE IMEDIATA E RETROATIVA DAS NOVAS REGRAS
O art. 8º da proposta determina a aplicação imediata dos novos limites de pagamento também aos precatórios já inscritos até a data da promulgação da emenda. Trata-se de ofensa direta ao princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima. Além de frustrar expectativas legitimamente constituídas pelos credores, tal previsão ignora o caráter alimentar de grande parte dos precatórios.
ALTERAÇÃO DA DATA DE INSCRIÇÃO DE PRECATÓRIOS
A proposta altera o dia limite para inclusão de precatórios no orçamento seguinte, trocando o atua dia 2 de abril para 1º de fevereiro.
Cabe enfatizar que prazo para inscrição vence logo em seguida do retorno do recesso forense. Na prática, isso impactará tanto a rotina de advogados como também do Judiciário, pois terão pouco tempo hábil para impulsionar e emitir as requisições, sem esquecermos de que o prazo para inscrição no orçamento de 2027 será reduzido em relação aos demais anos.
CRITÉRIO DE ATUALIZAÇÃO DOS PRECATÓRIOS
A PEC extingue a atualização pela SELIC para precatórios de todas as esferas e limita juros a 2% ao ano, ou seja, alcança também os precatórios federais, apesar de que a PEC vem sendo tratada como algo voltado apenas para municípios. Exceptuados apenas os precatórios de créditos tributários, aos quais segue sendo aplicada a SELIC. Além disso, a PEC explicita a não incidência de juros no período entre a expedição e o pagamento.
A taxa de juros é muito baixa, sobretudo se comparada ao critério definido usualmente pelo mercado (SELIC a 15%) ou na legislação anterior às reformas (6% ao ano), causando um nítido desequilíbrio e prejuízo ao cidadão. Além disso, estabelece uma nova regra que favorece o devedor, garantindo que se a SELIC baixar em relação ao IPCA+2% de juros a.a. esta passará a valer. Ou seja, para o credor, sempre será aplicado o pior cenário.
CONCLUSÃO
A PEC 66/2023 representa um dos mais graves retrocessos no regime jurídico dos precatórios desde a promulgação da Constituição de 1988. O que se apresenta como solução fiscal, na verdade, consagra um modelo de violação a segurança jurídica e confiança legitima. A Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio Grande do Sul reafirma seu compromisso com a defesa da Constituição, manifestando-se veementemente contrária à aprovação da PEC 66/2023 nos moldes atuais. Cabe ao Congresso Nacional rechaçar propostas que enfraqueçam a segurança jurídica e os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.