Advogado que orienta cliente a não firmar acordo de colaboração premiada não comete crime de obstrução à Justiça. Isso porque se trata de orientação relacionada às atividades da advocacia e compatível com o direito à não autoincriminação. Com esse entendimento, a 1ª Vara Criminal de Campo Grande (MS) absolveu o advogado Alexandre Gonçalves Franzoloso e outros 10 acusados de obstruir investigações.
O juiz Marcelo Ivo de Oliveira, da 7ª Vara Criminal de Campo Grande, ordenou em setembro de 2019 a prisão temporária de Alexandre Franzoloso por entender que ele deixou de atuar como defensor técnico de Marcelo Rios, um dos investigados no caso, e “atuou criminosamente para impedir que as investigações chegassem aos líderes da organização criminosa”.
Ivo de Oliveira se baseou no depoimento de uma testemunha que se disse orientada pelo advogado a não assumir qualquer envolvimento com os fatos investigados. A testemunha também disse que Franzoloso pediu a uma defensora pública que não orientasse seu cliente a delatar.
O Conselho Federal e a seccional de Mato Grosso do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil impetraram Habeas Corpus em favor de Franzolo. Em outubro de 2019, a 2ª Câmara Criminal Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul revogou a prisão.
Na sentença, o juiz Roberto Ferreira Filho apontou que Marcelo Rios negou que tivesse qualquer interesse em delatar outras pessoas pelas práticas criminosas que eram investigadas. E um dos requisitos da celebração de acordo de colaboração premiada é justamente a voluntariedade, disse o julgador.
Segundo ele, não ficou demonstrado que o advogado extrapolou suas funções no assessoramento jurídico fornecido ao seu cliente. Ainda que tivesse sido comprovada a atuação de Franzoloso para impedir eventual colaboração premiada de Marcelo Rios, isso seria fato atípico, não constituindo crime, disse o juiz.
Além disso, Ferreira Filho destacou: ainda que o acusado possa dizer a verdade e colaborar com as investigações, o direito à não autoincriminação (artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal) possibilita que ele se cale e até mesmo minta em audiência sem que se configure qualquer delito.
E advogado que orienta cliente a ficar em silêncio não impede, atrapalha, atrasa ou embaraça qualquer investigação criminal, disse o juiz. Ele ainda ressaltou que é preciso ter cautela ao acusar advogados de delitos, para que não se acabe, ainda que não intencionalmente, criminalizando a própria advocacia.
Defesa da advocacia
O criminalista Fernando Augusto Fernandes, que representou o Conselho Federal da OAB na defesa de Alexandre Franzolo quando era procurador nacional de Defesa das Prerrogativas, disse à ConJur que “advogado que compactua com delação premiada faz um simulacro de defesa” (como já escreveu em artigo).
“Além das máquinas de tortura, afrontaram a independência da advocacia ao determinar sua prisão, revogada por uma luta da OAB-MS e do Conselho Federal. Agora a absolvição mostra como o judiciário se engrandece e só se faz ao prestigiar o papel do advogado como indispensável para a administração da Justiça, conforme o artigo 133 da Constituição”, declarou Fernandes.
Com informações da Conjur