Na realidade da era digital, a revolução trazida pela Inteligência Artificial (IA) na maioria dos processos humanos, inclusive os judiciais, demonstra a importância do painel sobre o Marco Regulatório da Inteligência Artificial e Proteção de Dados, durante a 24ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. Os palestrantes da mesa, de forma consensual, demonstraram preocupação em relação ao Projeto de Lei (PL) 2338/2023 apresentado pelo senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP).
Segundo o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ricardo Villas Boas Cuêva, presente à mesa, “não há como impedir o avanço tecnológico em nome de um receio vago diante da IA. O mesmo ocorreu quando foi inventado o avião, inicialmente feito de madeira, que exigiu a construção dos sistemas de regulação do espaço aéreo”.
“É impossível tentar proibir o uso da IA, que vai ao infinito e além”, brincou a professora de Direito, Inovação e Tecnologia Tainá Aguiar Junquilho, citando outro astronauta, no caso o personagem da Disney Buzz Lightyear, da animação Toy Story, da Disney-Pixar. A advogada é uma das idealizadoras do Projeto Victor, executado pelo Poder Judiciário brasileiro, o primeiro a aplicar a IA em cortes constitucionais do mundo. Ela destacou que a IA já é uma realidade no sistema público brasileiro – 65% dos benefícios do INSS já são hoje concedidos ou negados pela inteligência artificial.
Regulação
O ministro ressaltou a necessidade de se criar um modelo dinâmico de regulação da tecnologia e Inteligência Artificial (IA) no Sistema de Justiça do país, além da instituição de um órgão regulador envolvendo todas as instâncias de poder. Dentre os pontos decisivos a serem observados, estão a proteção de dados, propriedade intelectual, transparência, privacidade e respeito aos direitos da pessoa humana.
De acordo com o presidente da Comissão Especial de Proteção de Dados da OAB, Rodrigo Badaró Almeida Castro, é necessária a criação de uma cadeira de representação da OAB no órgão a ser possivelmente instituído via Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele recebeu o apoio do vice-presidente da Comissão Especial de Direito Digital, Fabrício da Mota Alves, que afirmou que “a OAB tem extrema relevância como representação da sociedade”.
“É ok utilizar a Inteligência Artificial, mas é preciso saber identificar que a ferramenta foi usada naquele processo, preservando os registros com uma marca d´água, por exemplo, de modo a possibilitar o rastreamento das informações”, alertou Castro, também conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público, que participou ativamente das discussões do PL 2338.
O projeto vanguardista de regulação da IA no Brasil já vai nascer desatualizado, diante do anúncio de uma nova regulação AI Act pela União Europeia, prevista para 6 de dezembro e aguardada por todos os participantes da mesa. O desembargador do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6 / MG) Pedro Felipe Santos, que é conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) destacou, ainda, os modelos que estão sendo discutidos na China e nos Estados Unidos. “Já abandonamos a Justiça de papel, mas o modelo de audiência virtual não pode se restringir aos seis quadradinhos da tela do Google Teams”, comparou ele, citando que o Chat GPT já está sendo usado amplamente nas sentenças judiciais.
Excessos
A assessora parlamentar e especialista em proteção de dados Stefani Juliana Vogel alerta que é necessário estabelecer uma dosimetria das punições aos excessos no uso da IA, “que não pode se basear apenas na aplicação de multas”.
Já o integrante da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência Joelson Dias disse que “é preciso abrir a caixa preta da tomada de decisão dos algoritmos”. Ele falou, também, sobre a transformação do que chamou de fofoca, que “não é mais ao pé do ouvido, mas que se espalha para o público global, chegando a milhões de pessoas em poucas horas.”
A vice-presidente da Comissão Especial de Proteção de Dados, Deborah Sirotheau, discorreu sobre os desafios de lidar com a IA no mercado de trabalho, em igualdade de direitos. Segundo ela, ainda há funcionários de empresas com acesso bloqueado às plataformas digitais, principalmente aos de cargos mais baixos. Na outra ponta, as empresas já estariam empregando a vigilância corporativa on-line, calculando, por exemplo, quanto tempo um funcionário leva para abrir um e-mail, como forma de medir a produtividade. “Em vez de uma brecha digital, temos um abismo digital”, concluiu.
O painel foi conduzido pelo conselheiro federal de Tocantins e presidente da Comissão Especial de Inteligência Artificial, Adwardys de Barros Vinhal. O vice-presidente da Comissão Especial de Direito Digital, Fabrício da Mota Alves, assumiu a relatoria, enquanto o secretariado ficou a cargo do conselheiro federal de Sergipe Lúcio Fábio.