Em uma sentença de divórcio litigioso, constou diálogo transcrito em seis páginas entre o juiz da 1ª Vara da Família de Joinville (SC) e sua assessora contendo termos que ofendiam o advogado atuante, sua cliente e comprometiam o julgamento do feito. O cunho machista do diálogo, segundo o advogado, é mais grave que o vazamento da conversa em si.
“Não é preciso ser um advogado, um operador do Direito ou uma pessoa que entenda de processo para se sentir chocado… O que assusta é muito mais esse tipo de expressão do pensamento de um magistrado de uma Vara da Família, o que é profundamente lamentável”.
Nos autos do processo constou o diálogo completo, em seis páginas, que, para a Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB-SC), “comprometia o julgamento do feito”. “Eles (o juiz e a assessora) debocham. Ele trata isso com sexismo, com machismo pré-histórico, não dá nem pra descrever”.
O Conselho Pleno da OAB-SC aprovou por aclamação que a seccional faça uma representação junto à Corregedoria-Geral de Justiça, bem como a realização de Desagravo Público diante da gravidade da conduta do juiz.
“E se fosse o contrário?”
“Pedi à assessoria do juiz uma retratação e cinco minutos depois o magistrado me ligou e pediu desculpas no privado e então solicitei que o mesmo se retratasse nos autos. Eu o questionei: ‘E se fosse o contrário? Se tivesse vazado uma conversa minha com uma assessora do meu escritório em que eu estivesse falando qualquer coisa para desmerecer seu trabalho. Como o senhor reagiria?'”, indagou.
Para o advogado, pareceu que o magistrado iria se declarar suspeito nos autos, considerando que antecipou o julgamento. No entanto, ele contou que, até o momento, não houve um pedido de desculpas formal nos autos do processo. “Ele teve a audácia de proferir a nova sentença e ainda formalizar exatamente o que havia antecipado em sua conversa via WhatsApp com sua assessora”.
O juiz respondeu ao ofício do caso nesta quinta-feira (15), em que admitiu o equívoco do vazamento. No entanto, de acordo com a Seccional, ele não mencionou o conteúdo da conversa e não fez um pedido formal de desculpas.
“Erros não deveriam ser cometidos. Mas se ocorrem, a atitude após o erro tem de ser valorizada. Infelizmente, mesmo sendo instado a se manifestar sobre o ocorrido, a resposta que eu tive no final da tarde de ontem foi insuficiente! O magistrado deveria ter se desculpado publicamente e se retratado, porém, nada disso houve”, afirmou a presidente da Subseção de Joinville, Maria de Lourdes Zimath.
Ação imediata
Para o presidente da seccional, Rafael Horn, o diálogo transcrito indevidamente na sentença representa ofensa a todos os jurisdicionados e à advocacia, principalmente pela ausência de uma desculpa pública após o magistrado estar ciente do equívoco cometido.
“Toda vez que um advogado tiver uma prerrogativa violada em Santa Catarina, nós não podemos nos calar. Nós não podemos nos omitir. Nós precisamos mostrar que respeitamos todas as autoridades e exigimos reciprocidade em face de todos aqueles que integram o Sistema de Justiça.”
O pedido proposto pela presidente da subseção de Joinville, Maria de Lourdes Zimath, relatou que no dia 07 de abril a subseção oficiou ao juiz para que prestasse esclarecimentos a fim de apurar os fatos. No entanto, somente nesta quinta-feira (15), o juiz respondeu admitindo, por equívoco, que a conversa com a assessora foi parar nos autos, porém não teceu nenhum comentário sobre o conteúdo das alegações, nem mesmo um pedido formal de desculpas.
“Erros não deveriam ser cometidos. Mas se ocorrem, a atitude após o erro tem de ser valorizada. Infelizmente, mesmo sendo instado a se manifestar sobre o ocorrido, a resposta que eu tive no final da tarde de ontem foi insuficiente! O magistrado deveria ter se desculpado publicamente e se retratado, porém, nada disso houve.”
Defesa das Prerrogativas
O vice-presidente da seccional, Maurício Voos, colocou-se à disposição para representar a Seccional em todas as medidas e instâncias necessárias.
“Em razão da gravidade dos fatos precisamos levantar essa bandeira para que essa situação jamais ocorra, pois um processo como esse talvez seja o processo da vida das pessoas e não podemos permitir que seja alvo de piadinhas, deboche e descaso, não só com o advogado, mas com todas as pessoas envolvidas.”
Confira alguns dos trechos da conversa:
[18:55, 25/03/2021] Assessora: Eu tenho raiva dela já kkk ela e esse advogado só incomodam
[18:56, 25/03/2021] Juiz: Mas antes um novo ofício do que ouvir o cara para explicar um contrato de trabalho
[18:56, 25/03/2021] Assessora: Exatamenteeeee
[18:56, 25/03/2021] Juiz: Ademais a oitiva pode ser suprida pelo ir dele caso permaneça dúvida
[18:57, 25/03/2021] Juiz: Ela adoraria pegar o ir der
[18:57, 25/03/2021] Juiz: Dele
[18:57, 25/03/2021] Assessora: Ela pediu a quebra de sigilo bancário dele
[18:57, 25/03/2021] Assessora: Foi indeferido
[18:57, 25/03/2021] Juiz: Advogado quer chupar o cara até o caroço
[18:57, 25/03/2021] Assessora: Ela diz que ele oculta dinheiro
18:58, 25/03/2021] Assessora: Esse processo me persegue desde o dia que começamos nessa vara hahahah
[18:58, 25/03/2021] Assessora: Acho que a primeira ligação de atendi foi deles
[18:58, 25/03/2021] Juiz: Então vamos acabar com ele logo
***
[19:43, 25/03/2021] Juiz: O carro está em nome da empresa
[19:43, 25/03/2021] Assessora: Eu não lembro direito o que exatamente ela alegou
[19:39, 25/03/2021] Juiz: Isso ela já deve apresentar na inicial sob pena de violação ao princípio da correlação
[19:39, 25/03/2021] Assessora: Eu já nem lembrava. Mas tem esses danos aí tbm
[19:41, 25/03/2021] Juiz: Dano? Pelo que?
[19:41, 25/03/2021] Assessora: Lembra? Ela diz que ele deu pra ela e tals e que é dela kkk
[19:41, 25/03/2021] Juiz: Móveis com testemunha? Pode esquecer
[19:41, 25/03/2021] Assessora: O carro
[19:42, 25/03/2021] Juiz: O carro sim
[19:42, 25/03/2021] Assessora: Sim. Isso não
[19:42, 25/03/2021] Juiz: Digo o dano moral e material
[19:42, 25/03/2021] Assessora: Ahhhh ela sofreu muito
[19:42, 25/03/2021] Assessora: Kkkkk
[19:42, 25/03/2021] Juiz: O documento do carro está em nome da firma, certo?
[19:42, 25/03/2021] Assessora: Ele foi horrível com ela
[19:42, 25/03/2021] Assessora: Ela
[19:42, 25/03/2021] Juiz: A gente também
[19:42, 25/03/2021] Juiz: Com a gente também
[19:42, 25/03/2021] Assessora: Hahahha siiiiim. Merecíamos indenização
***
[19:47, 25/03/2021] Assessora: 50 salários mínimos ela quer
[19:48, 25/03/2021] Assessora: Os danos materiais tem a ver com o fato de ela ter cancelado a Unimed dela pra ficar só na dele e agora se lascar sem Plano de saúde
[19:48, 25/03/2021] Assessora: Não pra confiar nesses maridos
***
[19:54, 25/03/2021] Assessora: Aiiii
[19:54, 25/03/2021] Assessora: Esse processo é o oh
[19:55, 25/03/2021] Assessora: Dr., se você não resolver ele nessa audiência. Não sei quem fará essa sentença kkkk
[19:55, 25/03/2021] Juiz: Se esse é o ponto controvertido atual, acho que podemos julgar.
[19:55, 25/03/2021] Assessora: Você precisa fazer essa aÍ pelo bem geral da nação
***
[20:16, 25/03/2021] Juiz: Fatos narrados (mesmo que reconhecidos como ocorridos) são inerentes a um processo de separação litigioso sem que com isso se transmude para ato ilícito e seu resultado em dano moral
[20:16, 25/03/2021] Juiz: São aborrecimentos
[20:16, 25/03/2021] Juiz: Separação é triste
[20:16, 25/03/2021] Juiz: Casamento é feliz
[20:17, 25/03/2021] Juiz: E vice-versa!
[20:17, 25/03/2021] Juiz: É a vida
[20:17, 25/03/2021] Juiz: Não foi espancada
[20:17, 25/03/2021] Juiz: Não foi estuprada
[20:17, 25/03/2021] Juiz: Não foi morta
[20:17, 25/03/2021] Juiz: Não foi esfaqueada?
[20:17, 25/03/2021] Assessora: Hahahhahah
[20:18, 25/03/2021] Juiz: Então foi um casamento normal
[20:18, 25/03/2021] Juiz: Sofreu psicologicamente?
[20:18, 25/03/2021] Assessora: Vou salvar e fazer um quadro pra colocar no gabinete com essas conclusões
[20:18, 25/03/2021] Assessora: [SOBRENOME], [NOME DO JUIZ]. 25/3
[20:19, 25/03/2021] Assessora: Kkkk
[20:19, 25/03/2021] Juiz: Todos passam por isso por conta da natureza do evento em si sem que isso configure
ato ilícito e dano moral ressarcivel
[20:19, 25/03/2021] Juiz: Bota no fundo da sala de audiência
***
[20:50, 25/03/2021] Juiz: Só cuida quando julgar para não usar termos como “não provou”
[20:51, 25/03/2021] Juiz: Se precisar diga que os documentos levam à conclusão..
[20:51, 25/03/2021] Juiz: ..contrária à tese apontada
[20:52, 25/03/2021] Juiz: Já que vamos julgar antecipadamente precisa cuidar com esses termos ou destacar que a prova documental é essencial para dirimir tal ponto controvertido
[20:52, 25/03/2021] Juiz: Sempre fugindo de uma brecha atinente à necessidade ou possibilidade de uma prova oral para auxiliar na conclusão
[20:53, 25/03/2021] Juiz: Pois aí um recurso de cerceamento ganha espaço.
Com informações do Migalhas e Yahoo Notícias