O ministro Nefi Cordeiro deixa o Superior Tribunal de Justiça (STJ) após quase sete anos como membro da Sexta Turma e da Terceira Seção, colegiados de direito penal que integrou desde a sua posse, em 3 de abril de 2014. O decreto que concede aposentadoria ao magistrado a partir desta quinta-feira (11) foi publicado no Diário Oficial da União.
Foram 32 anos de dedicação à atividade jurídica. Natural de Curitiba, Nefi Cordeiro foi promotor, juiz de direito e juiz federal, tendo sido aprovado em primeiro lugar no concurso público para este último cargo em 1992. Entre 2002 e 2014, ocupou a cadeira de desembargador no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), até ser nomeado ministro no STJ.
Graduado pela Faculdade de Direito de Curitiba, também possui formação em engenharia civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. É mestre em direito público e doutor em direito das relações sociais pela Universidade Federal do Paraná.
Para o presidente do STJ, ministro Humberto Martins, a saída de Nefi Cordeiro “será sentida por toda a jurisdição brasileira, que deixa de ter um grande magistrado, com enorme capacidade técnica e humana. Suas decisões foram sempre bem fundamentadas, em especial ao lidar com matérias sensíveis no âmbito penal”.
Delação premiada
Além das atividades na magistratura, Nefi Cordeiro é professor universitário e possui vasta produção acadêmica, sendo autor de diversos livros e estudos jurídicos. O mais recente, Colaboração Premiada – Caracteres, limites e controle, foi lançado na sede do tribunal, em outubro de 2019. A obra apresenta uma análise sobre vários pontos polêmicos relacionados à colaboração premiada.
Na ocasião, o ministro observou que, apesar de ser um instrumento eficiente no combate ao crime organizado, a colaboração premiada precisa de limites bem definidos, uma vez que ainda possui muitas lacunas de procedimentos, e sua prática tem gerado acordos que extrapolam os limites legais.
O tema foi objeto de muitas discussões nos colegiados penais do STJ. Em um desses casos – julgado na Sexta Turma –, Nefi Cordeiro considerou ilegal prisão determinada por descumprimento de delação premiada. Para o ministro, a colaboração do acusado não pode ser judicialmente exigida, devendo ser sempre voluntária.
O colegiado acompanhou seu voto e revogou a prisão temporária de dois investigados da Operação Capitu, da Polícia Federal, que apurou esquema de corrupção no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que supostamente teria beneficiado o Grupo J&F em 2014.
Eles haviam sido presos por ocultar fatos, muito embora aparentemente se comportassem como se estivessem colaborando com a Justiça, assinando acordos de colaboração premiada. “A falta de completude na verdade pode ser causa de rescisão do acordo ou de proporcional redução dos favores negociados, mas jamais causa de risco ao processo ou à sociedade, capaz de justificar a prisão provisória”, afirmou o relator.
Decisões marcantes
Quando tomou posse no cargo de ministro, em 2014, Nefi Cordeiro recebeu um acervo próximo de 15 mil processos (excluídos os feitos suspensos). Agora, ao se aposentar, deixa o gabinete sem processos pendentes de exame.
Durante esse período no STJ, ele proferiu decisões em casos de grande repercussão nacional, como os recursos da defesa do médium João de Deus, investigado por abuso sexual contra diversas pacientes e por posse ilegal de armas. Em dezembro de 2019, a Sexta Turma, sob sua relatoria, negou pedido da defesa para anular a decisão que determinou busca e apreensão domiciliar e reconhecer a ilicitude das provas colhidas pela polícia.
Em processos relatados pelo ministro, o colegiado também negou o pedido para concessão de prisão domiciliar a João de Deus e determinou seu retorno à prisão após um período de internação hospitalar (HC 489573; HC 495397). O ministro considerou idôneas as motivações para a prisão preventiva – decretada em dezembro de 2018 – em razão de riscos ao processo (ameaça contra testemunha e fuga inicial) e à sociedade (possibilidade de reiteração de crimes graves).
Também como relator na Sexta Turma, Nefi Cordeiro afastou, em 2018, as medidas cautelares impostas ao italiano Cesare Battisti em substituição à prisão. O ministro entendeu que a decisão que as determinou não indicou as circunstâncias concretas capazes de justificar sua necessidade e adequação, “valendo-se de fundamentação abstrata e genérica” – o que contraria a jurisprudência do tribunal.
Em 2019, por não observar risco à investigação nem ao processo, o ministro mandou soltar funcionários da Vale presos no curso da investigação sobre o rompimento da barragem de Brumadinho (MG), em janeiro daquele ano. Para o magistrado, a prisão foi determinada com base em argumentos genéricos e riscos presumidos. A decisão foi confirmada pela Sexta Turma.
Sem exceção
Em 2016, Nefi Cordeiro foi o relator do processo no qual a Terceira Seção definiu que a execução provisória da pena após condenação em segunda instância (naquele momento admitida pelo Supremo Tribunal Federal) não comportava exceções aos parlamentares. Ao rejeitar recurso do deputado Jalser Renier Padilha, então presidente da Assembleia Legislativa de Roraima, os ministros firmaram a tese de que a imunidade parlamentar prevista no parágrafo 2º do artigo 53 da Constituição Federal não se aplica em casos de condenação.
“Não parece razoável estabelecer essa distinção entre os parlamentares e todos os outros brasileiros”, ponderou. Para Nefi Cordeiro, a imunidade é prevista para prisão cautelar sem flagrante de crime inafiançável. No caso analisado, o parlamentar foi condenado a seis anos e oito meses de prisão em regime semiaberto pelo envolvimento no Escândalo dos Gafanhotos, que apurou desvios de recursos públicos na gestão do governador Neudo Campos (1999-2002).
Acesso ao Whatsapp
Também em 2016, foi relator de decisão inédita na Sexta Turma na qual o colegiado estabeleceu que o acesso ao conteúdo de conversas pelo WhatsApp em celular apreendido durante flagrante pela polícia precisa de autorização judicial para ser considerado prova (HC 51.531).
De acordo com Nefi Cordeiro, o acesso sem autorização judicial às conversas via WhatsApp – “forma de comunicação escrita, imediata, entre interlocutores” – caracteriza efetiva interceptação não autorizada de comunicações. É situação similar às conversas por e-mail, as quais também só podem ser acessadas mediante prévia ordem judicial.
Em seu voto, o ministro ressaltou que o celular deixou de ser apenas um instrumento de conversação por voz, permitindo o acesso a múltiplas funções, como correspondência eletrônica, troca de mensagens e outros aplicativos que possibilitam a comunicação.
Dados
Ao julgar o HC 587.732, a Sexta Turma acompanhou o voto de Nefi Cordeiro e estabeleceu que, em investigações criminais, não é necessária a delimitação temporal na decisão que permite o acesso a dados telemáticos – a exemplo do teor de conversações por meio de aplicativos de mensagem instantânea, tais como WhatsApp, Telegram, Instagram, Facebook Messenger, armazenadas nos celulares, computadores e em outras mídias.
Segundo o relator, o artigo 10 da Lei do Marco Civil da Internet prevê a necessidade de tutela da privacidade de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas. Contudo, explicou o ministro, ao tratar do acesso judicial, somente exige limitação temporal no acesso aos registros de “aplicações de internet” – termo legal usado para definir “o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet” (artigo 5°, VII).
“Não há ilegalidade na decisão que determina o acesso aos dados constantes nos bens que vierem a ser apreendidos, a fim de que sejam submetidos à perícia, sem a determinação de limite temporal, porque se trata de dados já salvos nos dispositivos eletrônicos, em que os pacientes tiveram a liberdade de apagar ou acrescentar informações, não sendo ‘fluxo de comunicações’ mantidos ou armazenados por provedores de internet”, concluiu.
Reincidência específica
Em maio de 2020, o magistrado foi autor do voto que alterou o entendimento da Sexta Turma para concluir que o aumento de pena no crime de posse de drogas para consumo próprio deve ocorrer apenas quando a reincidência for específica (REsp 1.771.304).
Para ele, a melhor interpretação a ser dada ao parágrafo 4º do artigo 28 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) deve levar em conta que ele se refere ao caput do dispositivo; portanto, a reincidência diz respeito à prática do mesmo crime – posse de drogas para uso pessoal.
“A melhor exegese, segundo a interpretação topográfica, essencial à hermenêutica, é de que os parágrafos não são unidades autônomas, estando vinculadas ao caput do artigo a que se referem”, explicou Nefi Cordeiro.
Com informações do STJ