A Justiça do Trabalho registrou aumento no volume de processos envolvendo pautas ESG (ambiental, social e de governança), sobretudo questões sociais. Temas como etarismo, gordofobia, transfobia e discriminação contra pessoas com deficiência (PcD) começaram a aparecer, nos últimos três anos, com mais frequência nas mesas dos magistrados, segundo levantamento feito pelo escritório Trench Rossi Watanabe, com base em dados da plataforma de jurimetria Data Lawyer.
Até 2019, eram mais frequentes processos discutindo preconceito contra homossexuais. Agora, com uma maior conscientização da sociedade, principalmente dos jovens, outros assuntos ganharam relevância, dizem as advogadas Priscila Kirchhoff e Trícia Oliveira, do Trench Rossi Watanabe.
“Há uma mudança de mentalidade muito visível na sociedade em relação às pautas ESG”, diz Trícia. “E a Justiça do Trabalho está mais sensível a esses temas, acompanhando a tendência.”
Entre 2017 e 2019, por exemplo, foram ajuizados 89 processos tratando de gordofobia. Nos três anos seguintes (2020 a 2022), 756 – 8,5 vezes mais. Em 2023, até meados de julho, entraram mais 200 ações.
O tema etarismo também ganhou destaque, pulando de 21 para 128 casos, na mesma base de comparação. E só neste ano entraram mais processos do que em no período de 2020 a 2022: um total de 147.
Esse movimento [de maior número de ações] é mundial”
— Eugênio H. Júnior
Ações que citam transfobia também se multiplicaram. Foram 69 processos de 2017 a 2019 e 295 de 2020 a 2022 – subiu 4,2 vezes. Em 2023, foram ajuizados 107 processos, o que indica tendência de aumento.
O maior volume de ações, porém, discute racismo. Entre 2017 e 2019, foram 7.724 processos. Nos três anos seguintes, 15.720. E, em 2023, 3.370 processos foram registrados, em linha com a média dos dois anos anteriores.
Esse movimento é mundial, segundo o professor de Direito do Trabalho da PUC-RS, Eugênio Hainzenreder Júnior, sócio-diretor do RMMG Advogados. Ele lembra que, em junho de 2019, foi promulgada a Convenção nº 190, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que reconhece o direito de todas as pessoas a um trabalho livre de violência e assédio.
Apesar da norma ainda não ter sido ratificada no Brasil, acrescenta o advogado, leis recentes têm caminhado nesse sentido. Entre elas, diz, a de nº 14.457 de 2022, que instituiu o Programa Emprega + Mulheres e alterou o nome da Comissão Interna de Acidentes (Cipa) para incluir a prevenção de assédio. Também foi editada, de acordo com ele, a Portaria nº 4.219, de 2022, do Ministério do Trabalho e Emprego, que obriga as empresas a capacitarem todos os colaboradores sobre violência, assédio e diversidade.
Na Justiça, a pauta não tem sido diferente. Recentemente, uma prestadora de serviços de telefonia foi condenada por racismo pela 13ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP). Terá que pagar indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil a uma ex-funcionária. Segundo o processo, ela foi ofendida, por meio de áudios do WhatsApp, com termos como “neguinha fuleira” e “com cara de escravo”.
Para o relator, Roberto Vieira de Almeida Rezende, o mero fato de as agressões racistas terem sido proferidas em aplicativo de mensagens e fora do local de trabalho em nada isenta o empregador, que não puniu o agressor tampouco comprovou orientação aos funcionários para inibir ações similares futuras.
Atos discriminatórios em processos seletivos também têm resultado em condenações. A 56ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou uma empresa de logística a pagar R$ 20 mil a trabalhadora transexual que teve expectativa de contratação frustrada após passar por processo seletivo e exame admissional.
Segundo a decisão da juíza Alice Nogueira e Oliveira Brandão, “atos discriminatórios não expressos, mas sutis e sofisticados, banhados de caráter excludente, não mais podem ser desconsiderados pelo Poder Judiciário”.
Existem também decisões que tratam de dispensas discriminatórias em decorrência de doença, com base na Súmula nº 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O texto presume como discriminatória a dispensa de pessoas com doenças como o HIV.
Em uma delas, uma costureira conseguiu R$ 20 mil de indenização por ter sofrido discriminação no ambiente de trabalho por ter hanseníase. A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Segundo o processo, cartazes sobre hanseníase foram fixados no refeitório e por microfone houve o anúncio de que uma empregada estava com a doença.
Em outro caso, a 3ª Turma do TST condenou uma empresa a pagar indenização de R$ 10 mil a uma trabalhadora que sofreu discriminação por desenvolver obesidade mórbida. A trabalhadora alegou que teve problemas hormonais decorrentes de tratamentos de fertilidade e seu peso aumentou acima do normal.
De acordo com ela, seu superior imediato disse que ela precisava emagrecer para se adequar ao padrão da empresa, “de mulheres loiras de olhos claros, cabelos lisos e magras”. Os clientes, afirmou ele, preferiam ser atendidos “por uma mulher bonita, e não por uma pessoa largada”.
No entendimento do relator, ministro Maurício Godinho Delgado, o tratamento dispensado pela empresa desrespeitou os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da isonomia de tratamento.
Para as advogadas Priscila Kirchhoff e Trícia Oliveira, a preocupação das empresas com o ESG já não é mais um diferencial, mas sim uma necessidade, não só pelas decisões judiciais existentes. “Virou uma forma de fazer negócio, expandir seus mercados, melhorar sua imagem perante os stakeholders [colaboradores, fornecedores]”, diz Priscila, acrescentando que o consumidor passou a escolher produtos com base na reputação da empresa.
Trícia lembra que, apesar de as condenações em ações individuais serem de valores menores, as empresas podem ter que pagar indenizações milionárias em ações coletivas movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e sofrerem um grande abalo na imagem. “O dano reputacional é o principal dano e é quase irreparável.”
Por isso, complementa Priscila, as empresas precisam estruturar muito bem suas políticas ESG, além de terem que fiscalizar a cadeia produtiva. “Empresas terceirizadas podem trazer muitos problemas para as contratantes, caso não sigam as práticas adequadas do mercado. No fim do dia, a responsabilidade é sempre da empresa”.