A Justiça Federal no Distrito Federal definiu, nesta quinta-feira (28), a lista de atos de improbidade administrativa pelos quais vai responder o ex-presidente Jair Bolsonaro no caso “Wal do Açaí”.
A ação que tramita no DF aponta suposta irregularidade na contratação de Walderice Santos da Conceição como assessora parlamentar de Bolsonaro, quando o político era deputado federal.
Pela decisão da juíza Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara Federal Cível da Justiça Federal, o ex-presidente e a ex-secretária deverão responder aos atos de improbidade que levam ao enriquecimento ilícito e que causam lesão ao erário. Entre as condutas identificadas pela magistrada estão:
- usar, em obras ou serviços particulares, o trabalho de servidores;
- facilitar ou permitir a incorporação indevida de bens e verbas públicas ao patrimônio particular;
- liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
- permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
- permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, bens e servidores públicos.
Este tipo decisão do juiz faz parte do rito da ação de improbidade administrativa. Pela lei, cabe ao magistrado, ao analisar as declarações das partes, definir como as condutas supostamente irregulares se encaixam na lei, sem modificar o enquadramento inicial apresentado pelo autor da ação – neste caso, o Ministério Público.
A juíza pontuou que a verificação se os atos realmente configuram improbidade administrativa só ocorrerá posteriormente, no decorrer do processo e após a análise das provas.
“Não se está a afirmar que os Requeridos praticaram os atos ímprobos descritos na petição inicial – até porque esse exame, de cognição profunda, será feito na sentença, após a regular instrução probatória –, mas apenas que, diante dos elementos existentes nos autos, não se pode concluir pela inexistência manifesta do ato de improbidade a eles imputado”.
Na decisão, a magistrada permitiu a produção das provas solicitadas pelas partes e determinou prioridade na ação.
Defesa
Nas contestações ao pedido, as defesas do ex-presidente e de Wal do Açaí apontaram, entre outras questões, o excesso de prazo do inquérito civil que deu origem à ação; que atos de improbidade não poderiam ser atribuídos a Bolsonaro, enquanto presidente; e que não houve atos irregulares.
Histórico
O Ministério Público Federal acionou a Justiça contra Bolsonaro e Wal do Açaí em março de 2022.
Segundo a ação, Wal do Açaí esteve lotada no gabinete de Bolsonaro durante mais de 15 anos, mas nunca viajou para Brasília e nem exerceu qualquer função relacionada ao cargo.
O MP afirma que, nesse período, Walderice e o companheiro, Edenilson Nogueira Garcia, prestavam serviços de natureza particular para Bolsonaro – em especial nos cuidados com a casa e com os cachorros de Bolsonaro na Vila Histórica de Mambucaba (RJ).
A ação pede que Wal do Açaí e o presidente sejam condenados pela prática de improbidade administrativa e o ressarcimento dos recursos públicos indevidamente desviados.
O nome de Wal do Açaí ganhou notoriedade em 2018, quando ela figurava como secretária parlamentar de Bolsonaro. À época, Bolsonaro negou que ela fosse funcionária fantasma.
Em janeiro daquele ano, uma reportagem do jornal “Folha de S. Paulo” mostrou que ela continuava vendendo açaí numa praia de Angra durante o horário de expediente na Câmara. A demissão foi confirmada em agosto de 2018, quando Bolsonaro já era candidato à Presidência.
Movimentação atípica em contas
Segundo o MP, a análise das contas bancárias de Walderice revelou uma movimentação atípica: 83,77% da remuneração recebida nesse período foi sacada em espécie, sendo que, em alguns anos, esses percentuais de saques superaram 95% dos rendimentos recebidos.
O MPF aponta que o presidente Jair Bolsonaro tinha pleno conhecimento de que Walderice não prestava os serviços correspondentes ao cargo e, mesmo assim, atestou falsamente a frequência dela ao trabalho em seu gabinete para comprovar a jornada laboral exigida pela Câmara dos Deputados, de 40 horas semanais, e, assim, possibilitar o pagamento dos salários.
Para o Ministério Público, “as condutas dos requeridos e, em especial, a do ex-deputado federal e atual presidente da República Jair Bolsonaro, desvirtuaram-se demasiadamente do que se espera de um agente público”.
“No exercício de mandato parlamentar, não só traiu a confiança de seus eleitores, como violou o decoro parlamentar, ao desviar verbas públicas destinadas a remunerar o pessoal de apoio ao seu gabinete e à atividade parlamentar”, diz a ação.