O magistrado, apesar de não ser parte na ação submetida à sua jurisdição, é parte no incidente de suspeição que possa surgir no processo – situação em que defenderá interesses próprios. Por isso, nesse caso, o juiz tem legitimidade para impugnar, por meio de recurso, a decisão que julga procedente a exceção de suspeição, ainda que ele não seja condenado ao pagamento de custas ou honorários advocatícios, pois também pode haver reflexos em seu patrimônio moral.
Com amparo nesse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que não conheceu dos embargos de declaração apresentados por um magistrado contra a decisão que o afastou de um processo. Segundo o tribunal, em entrevista à imprensa, o juiz teria emitido opiniões sobre a idoneidade das partes litigantes.
O caso foi analisado sob as regras do Código de Processo Civil de 1973. Contra a decisão do TJSP – que determinou a remessa dos autos a outro magistrado –, o juiz declarado suspeito opôs dois embargos de declaração, os quais não foram conhecidos pelo tribunal sob o fundamento de inexistência de legitimidade recursal.
Evolução doutrinária
O ministro Marco Buzzi, relator do recurso especial do juiz, explicou que, com base nos princípios tradicionais que regem o direito processual, o magistrado, os auxiliares da Justiça e os demais sujeitos imparciais do processo não são parte nem terceiros nas ações que tramitam sob sua jurisdição ou supervisão. Por esse motivo, em tese, não estariam legitimados a interpor recursos.
Entretanto – ponderou –, existem deliberações judiciais que podem afetar diretamente o patrimônio financeiro desses sujeitos, a exemplo do julgamento procedente de exceção de suspeição ou impedimento, em que o juiz é condenado a pagar despesas processuais.
Por essas razões, o relator destacou que, atualmente, há uma tendência de distanciamento da concepção clássica da chamada “parte”, pois os titulares da relação jurídica material submetida ao Judiciário não se confundem, necessariamente, com os sujeitos da relação jurídica processual.
Legitimação recursal
No caso da exceção de suspeição, o ministro Buzzi apontou que o juiz excepto, embora não seja parte na relação jurídica material da demanda, figura como parte legítima no incidente, tanto que, caso não reconheça a sua suspeição, pode apresentar defesa por meio de razões – de acordo com as previsões do CPC/1973.
Segundo o ministro, o CPC/2015, no artigo 146, parágrafo 5º, afastou qualquer dúvida sobre a possibilidade de o juiz interpor recurso contra a decisão que julga a exceção procedente.
Nesse cenário, apesar de o CPC/1973 não haver estabelecido um referencial claro sobre o tema, Marco Buzzi entendeu que o magistrado, como sujeito da exceção de suspeição, possui interesse jurídico e legitimação para recorrer da decisão de procedência do incidente.
Ao acolher o recurso e cassar o acórdão do TJSP, o ministro afirmou ainda que a legitimidade do juiz para recorrer não deve ser reconhecida apenas quando a decisão judicial atinge o seu patrimônio financeiro – ou seja, quando ele é condenado ao pagamento de despesas processuais –, pois, em algumas situações, o prejuízo também pode ser moral.
No caso em discussão, Marco Buzzi assinalou que os fundamentos adotados pelo tribunal de origem para julgar procedente a exceção de suspeição sugerem que o juiz teria agido de maneira inadequada ao dar entrevista à imprensa e manifestar opinião sobre processo em tramitação, o que indicaria um comportamento de parcialidade.
Com informações do STJ