Juiz não pode julgar ação na qual atua advogado que foi intimado para depor em investigação sobre irregularidades na conduta do magistrado.
Com esse entendimento, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Messod Azulay Neto concedeu Habeas Corpus, nesta quinta-feira (2/2), para declarar o impedimento do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, para julgar ação penal contra Silas Rondeau, ministro de Minas e Energia nos dois primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e seu advogado, Luís Alexandre Rassi. O processo deverá ser redistribuído a outro julgador.
O ex-ministro e outras nove pessoas foram denunciados pelo Ministério Público Federal por corrupção e lavagem de dinheiro, em desdobramento da finada “lava jato” no Rio. De acordo com os procuradores, houve pagamento de vantagens indevidas ligadas a contratos celebrados entre a Eletronuclear e a Framatome/Areva de 2006 a 2009.
Além de Silas Rondeau, Rassi defendeu o ex-diretor da Eletronuclear Edno Negrini, denunciado em outro caso que também tramita na 7ª Vara Criminal Federal do Rio.
Negrini contratou o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho em substituição a Rassi. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Rassi foi comunicado sobre a troca após apresentar resposta prévia à acusação contra Negrini. Ao entrar no sistema da Justiça para protocolar a saída do caso, viu outra defesa, assinada por Nythalmar.
O advogado foi convocado para depor, como testemunha, no inquérito policial que apura se Nythalmar Dias Ferreira Filho usou o nome de Marcelo Bretas para oferecer facilidades a alvos da “lava jato”.
Por causa do futuro depoimento no inquérito, Rondeau e Rassi, representados pelo advogado Rafael Carneiro, apresentaram exceção de suspeição contra Bretas. Rassi sustentou que o juiz teria uma atuação parcial no processamento e julgamento da ação penal contra o ex-ministro, uma vez que seu depoimento pode corroborar tanto a tese de que Bretas é vítima de Nythalmar quanto o argumento de que os dois agiam em conluio.
Bretas não reconheceu a exceção de suspeição. O pedido também foi negado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES), mas Rondeau e Rassi impetraram Habeas Corpus ao STJ.
ATUAÇÃO CONFLITUOSA
Em sua decisão, Messod Azulay Neto argumentou que a situação pode fragilizar a independência de Marcelo Bretas em relação a Luís Alexandre Rassi e, consequentemente, Silas Rondeau.
O ministro mencionou que o artigo 8º do Código de Ética da Magistratura estabelece que o magistrado imparcial é aquele que evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição e preconceito.
Já a Organização das Nações Unidas aprovou os “Princípios de Conduta Judicial de Bangalore”, fixando que o “juiz deve considerar-se suspeito ou impedido de participar em qualquer caso em que não é habilitado a decidir o problema imparcialmente ou naqueles em que pode parecer a um observador sensato como não habilitado a decidir imparcialmente”.
“In casu, não há como se concluir que a atuação do magistrado possa se dar despida de interesse, porquanto o advogado atuante na causa fora intimado para depor em inquérito policial, no qual, embora investigadas as condutas supostamente praticadas por outro advogado, afirma que ‘seu depoimento pode corroborar tanto com a tese que o juiz é vítima do advogado Nythalmar, como com a tese que eles agiam em conluio'”, ressaltou Azulay Neto.
Dessa maneira, o ministro entendeu ser o caso de aplicar o artigo 252, IV, do Código de Processo Penal, “sob pena de vilipêndio da confiança no próprio sistema judicial”. O dispositivo determina que o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que “ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito”.
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HC 766.001
Com informações da Conjur