Marido e sogra de uma mulher que perdeu o bebê durante a gestação foram condenados a pagar R$ 20 mil à médica que atendeu a paciente por ofendê-la no Facebook. Os familiares atribuíram a culpa do falecimento da criança à profissional, o que a 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) julgou ter lhe causado prejuízos à honra e imagem.
O atendimento aconteceu em um hospital da Santa Casa de Pontal, no interior de São Paulo, onde a médica conduziu um exame sonar e soube que o feto não apresentava mais batimentos cardíacos. A gestante foi encaminhada a outra clínica para realização de ultrassom, o qual comprovou que a criança estava morta havia pelo menos 48 horas — antes do primeiro atendimento.
O esposo e a sogra da grávida de 34 semanas ligaram para a Polícia Militar e depois culparam a médica pelo falecimento do bebê, acusando-a de negligência e inexperiência, com postagens em suas redes sociais. “Saiba que vou ate o fim do mundo mas vcs todos iram pagar pela nossa perda!!! (sic)” escreveu o marido em um grupo no Facebook. “[Minha princesinha] morreu por negligencia de uma inesperiente e arrogante medica (…) que é clinica geral e nao soube tomar as devidas providencias necessaria???? (sic)”
A mãe do homem também direcionou seu descontentamento à médica responsável pelo primeiro atendimento. “UMA CLÍNICA GERAL inexperiente, novinha que deixou escapar q n escutava mais os batimentos do bebê,” reclamou na mesma rede social. “Foram tantos zelos, tanto cuidado (…) e uma mal formada acaba com nosso SONHO.” “A minha neta e por negligência.”
As publicações se espalharam, porque compartilhadas em um grupo de milhares de pessoas e com nomes da gestante, da criança e da médica. Três testemunhas relataram ter ligado os pontos e que o fato ganhou notoriedade. Uma delas, que trabalhava com a médica, recebeu ligações de pessoas perguntando sobre as postagens.
Ao serem processados, o marido e a mãe da mulher que perdeu o bebê afirmaram que somente expressaram sua indignação com uma situação que lhe causou extrema comoção, tratando-se de direito de liberdade de expressão.
O juízo de primeira instância considerou que as publicações empregaram linguagem ofensiva com o objetivo de humilhar e atingir a honra da profissional, com desmerecimento à sua formação. As manifestações, segundo a decisão de primeiro grau, causaram dano moral in re ipsa, quando ele é presumido e não há necessidade de provar a existência de prejuízo à vítima.
“Aqui não se está a discutir a responsabilidade pelos atendimentos médicos prestados pela autora, como tentam se esquivar os réus nas manifestações nos autos. Se assim o desejassem, deveriam ter procurado as vias ordinárias adequadas, civis ou penais. Não escorando-se de forma intempestiva em postagens em redes sociais. Mesmo que as acusações fossem verídicas, isto, por si só, não isentaria de responsabilidade a parte requerida de publicações potencialmente lesivas ao direito alheio.”
A indenização foi fixada em R$ 10 mil, metade para cada um dos condenados. O montante foi elevado na segunda instância para R$ 20 mil, por unanimidade, conforme voto do relator, desembargador Fernando Marcondes, que citou precedentes da Câmara.
Para eles, a médica não é pessoa pública, de modo que, no conflito entre o direito à intimidade e o direito à liberdade de expressão, deve prevalecer o direito à intimidade, “posto que ela depende de boa reputação para o exercício de sua profissão (médica de uma cidade pequena, que conta com apenas 30 mil habitantes)”.
O colegiado ainda negou o pedido da médica para retratação pública, pois as postagens já foram excluídas da rede social e a medida poderia causar mais danos do que benefícios à profissional.
O caso tramita em segredo de Justiça sob o número 1000531-34.2020.8.26.0466.
Com informações do Jota