A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou nula a delação premiada feita por um advogado contra seu próprio cliente e, consequentemente, trancou a ação penal por falta de provas válidas.
Para o colegiado, o advogado não poderia, sem justa causa, ter delatado o cliente com base em fatos de que tomou conhecimento durante o exercício da profissão.
O presidente de uma empresa em recuperação judicial foi denunciado por suposta participação em organização criminosa que visava cometer fraudes contra seus credores.
Após a denúncia, a defesa impetrou habeas corpus alegando que o procedimento investigatório teve como única base um termo de colaboração premiada firmado entre o antigo advogado do réu e o Ministério Público.
Com esse argumento, foi pedida a anulação do acordo e também das provas dele decorrentes, assim como o trancamento da ação penal. O Tribunal de Justiça de Goiás(TJ-GO) indeferiu o pedido e manteve o processo contra o empresário, o que levou a defesa a recorrer ao STJ.
Advogado não era investigado
O relator, ministro João Otávio de Noronha, apontou que a simples leitura do processo revela que, embora ciente de possíveis irregularidades na recuperação judicial, o MP somente iniciou a investigação criminal após a delação feita pelo advogado.
“É ilícita a conduta do advogado que, sem justa causa, independentemente de provocação e na vigência de mandato, grava clandestinamente suas comunicações com seus clientes com o objetivo de delatá-los, entregando às autoridades investigativas documentos de que dispõe em razão da profissão, em violação ao dever de sigilo profissional imposto no artigo 34, VII, da Lei 8.906/1994“, declarou.
O ministro observou que não havia razão para o descumprimento do dever de sigilo profissional, já que o advogado não estava sendo investigado, nem era acusado de crime. “Se até aquele momento não havia investigação instaurada, por óbvio, o advogado delator não estava sendo investigado ou acusado”, ressaltou.
Confiança entre defensor técnico e cliente é fundamental
Para Noronha, não se trata de um caso em que o advogado é acusado de crime pelo próprio cliente e, para se defender, apresenta provas de sua inocência. Ao contrário, afirmou o magistrado, a intenção do advogado de colher provas contra seu cliente já se evidenciava antes mesmo da formalização da delação.
O magistrado destacou que a conduta do advogado, ao delatar seu cliente sem justa causa, mostra que houve má-fé e provoca uma desconfiança sistêmica na advocacia. “O sigilo profissional do advogado é premissa fundamental para o exercício efetivo do direito de defesa e para a relação de confiança entre defensor técnico e cliente”, completou.
Todas as provas derivavam da colaboração premiada anulada
Noronha também apontou que não restaram provas suficientes para embasar a ação penal e, por isso, foi acolhido o pedido de seu trancamento. “Não há justa causa para a continuidade da persecução criminal, uma vez que está baseada em um acordo de colaboração premiada nulo, bem como em provas ilícitas por derivação”, esclareceu.
“Diante disso, inafastável a conclusão quanto à ilegalidade da conduta do advogado que trai a confiança nele depositada, utilizando-se de posição privilegiada, para delatar seus clientes e firmar acordo com o Ministério Público”, concluiu o ministro.
Leia o acórdão no RHC 164.616.
Com informações do STJ