English EN Portuguese PT Spanish ES

Decisão do STF leva controle de armas de volta ao patamar de 2004

jurinews.com.br

Compartilhe

O controle e a regulação do acesso a armas de fogo e munição, além de sua comercialização, retornam aos patamares de 2004, quando entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento (Lei Federal nº 10.826/03), instituindo o Sistema Nacional de Registro de Armas (Sinarm).

Essa é a principal consequência da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de referendar as liminares deferidas pelo ministro Edson Fachin em três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 6.139, 6.466 e 6.119) que suspenderam os efeitos de trechos de decretos da Presidência da República que regulamentavam o estatuto para flexibilizar a compra e o porte de armas pela sociedade civil.

A decisão do Plenário do STF tem eficácia e cumprimento imediatos. Assim, a partir da publicação do acórdão, as restrições já terão validade e deverão ser respeitadas em todo o país. Nove ministros votaram pela ineficácia das portarias e de trechos de decretos presidenciais. Somente os ministros Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados ao Supremo por Jair Bolsonaro, foram contrários.

A posse de arma de fogo pelo cidadão comum só poderá ser autorizada àqueles que demonstrarem concretamente a efetiva necessidade, por razões profissionais ou pessoais. A aquisição de armas de fogo de uso restrito das forças de segurança, por sua vez, só deverá ser autorizada por interesse da segurança pública ou da defesa nacional, não por interesses pessoais. Ou seja, a aquisição desse tipo de armamento por colecionadores, atiradores e caçadores (CACs) está suspensa.

Em relação ao porte de arma de fogo, a maioria dos ministros da Suprema Corte estabeleceu que a regulamentação efetuada pelo Poder Executivo não pode criar presunções de efetiva necessidade além das já disciplinadas no Estatuto do Desarmamento. Dessa forma, a necessidade de porte deve ser sempre concretamente verificada, e não presumida.

Além disso, a quantidade de munição adquirível pelos proprietários de armas fica limitada, de forma diligente e proporcional, ao necessário para garantir a segurança dos cidadãos.

Liberação geral

As medidas do governo Bolsonaro permitiram aos cidadãos comuns adquirir armas que anteriormente eram restritas às polícias, além de comprar número maior de armas e munições — sem justificativa para a Polícia Federal, teste psicológico ou teste de tiro, conforme o Estatuto do Desarmamento determina. Também foi estabelecido o aumento de três para dez anos do prazo para entrega de atestado de antecedentes.

Estava permitida ainda a circulação livre em lugares públicos com esses equipamentos. Junto a isso, o presidente da República mandou o Exército revogar portarias que melhoravam a marcação e a rastreabilidade de armas e munições, ações de extrema importância para a prevenção de desvios e esclarecimento de crimes.

As liminares foram pedidas no início da campanha eleitoral pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT), com a alegação de aumento do risco de violência política durante esse período.

“A decisão liminar, agora confirmada pelo Pleno do STF, é de aplicação imediata; no entanto, para sua real efetivação será necessário o maior controle e fiscalização em todos os âmbitos do procedimento para compra dessas armas e munições”, explica Sílvia Souza, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Volta do controle

Com a derrubada da vigência de parte de mais de 40 decretos assinados pela Presidência da República desde o início de 2019, todos facilitando o acesso da população às armas, a decisão do STF tem como objetivo diminuir a violência no país. O mercado brasileiro tem registrado média de 1,3 mil armas compradas por dia, de acordo com estudo do Instituto Sou da Paz.

“Há inúmeras pesquisas lastreadas em métodos científicos eficazes que comprovam que o maior número de armas nas ruas não corrobora com a maior proteção da população em geral e do cidadão ou cidadã comum, como se pretendia e se afirmou na justificação quando da implantação dessa política”, afirma Sílvia Souza.

“Pelo contrário, torna-se mais fácil o acesso a essas armas por parte do crime organizado, das milícias etc., contribuindo para o aumento da criminalidade nas ruas, ao invés de diminuí-la. A suspensão de trechos do decreto, como, por exemplo, a venda de armas de uso restrito, pode contribuir para a diminuição da violência em geral e, no atual momento, da violência política em especial”, completa ela.

No governo Bolsonaro, o número de pessoas com licenças para armas de fogo aumentou 473%. Em 2018, ano anterior à posse do atual presidente, havia 117,4 mil registros ativos para caçadores, atiradores e colecionadores. No primeiro ano da gestão bolsonarista, a quantidade subiu para 197,3 mil. E os registros cresceram para 673,8 mil, em junho de 2020, e cerca de um milhão, em julho deste ano, maior número da série histórica iniciada em 2005 pelo Anuário Brasileiro de Segurança.

Essa situação, de acordo com dados do Instituto Sou da Paz, elevou o número de armas pertencentes aos CACs furtadas ou roubadas no Brasil. Em 2015, foram 31 casos; neste ano, 112.

“Espera-se que as alterações já sejam sentidas de imediato pelos cidadãos, notadamente no maior rigor para a obtenção de munição, na proibição de aquisição de armas de uso restrito para interesse pessoal, e em razão, agora, da indispensável comprovação da necessidade para a compra de armas com base na lei”, diz o defensor público Rafael Munerati, do Núcleo Especializado de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria de São Paulo, que fez sustentação oral no STF sobre o tema.

“A decisão não menciona o controle em si da venda de armas e munições, mas impõe restrições e dificulta as aquisições. A intenção é que, com essas medidas, seja reduzido o número de armas e munições vendidas a partir da publicação da decisão”, comenta Munerati.

Em território nacional, há registro hoje de 2,8 milhões de exemplares particulares nas mãos da sociedade civil. O número é muito maior do que o das Forças Armadas (aproximadamente 356 mil) e o dos policiais militares de todo o país (417 mil).

Com a suspensão de trechos dos decretos e portarias, os ministros do STF marcam posição e dão recado muito simbólico à sociedade sobre como um dos poderes da República se portará diante da crescente violência banal, em especial no período eleitoral, reforçando a preocupação com a segurança nas eleições, que tem sido tema recorrente.

“Assim, a decisão restritiva ao acesso ao porte e à posse de armas de fogo tem, além de um caráter simbólico, outro prático, na medida em que as restrições não retiram as armas já em circulação, mas dificultam a chegada de novas às mãos dos cidadãos, principalmente aquelas armas de fogo de maior letalidade e munições em quantidades desproporcionais. Além disso, a preocupação não é somente com a data das eleições, mas também com o dia seguinte, ou seja, com o seu resultado, o que justifica o momento e a efetividade da decisão”, afirma Alexandre Pacheco Martins.

Pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) revela que, de agosto de 2011 a julho de 2022, foram concedidas autorizações para 264.129 pessoas adquirirem armas e munições, uma média de 795 por dia. A facilidade do acesso ao armamento também elevou o número de munições adquiridas no comércio legal. Em 2021, foram vendidos 393 milhões de cartuchos, aumento de 131% em relação a 2017.

Limites impostos

“O ministro Fachin havia concedido a medida cautelar sem efeitos retroativos, valendo após ser referendada pelos outros ministros da corte. Agora, depois de analisada por todos, ela se impõe à sociedade brasileira. O próprio texto da decisão mostra qual a orientação que o Supremo deu. Daqui para frente, não se pode mais fazer essa concessão de porte de arma para caçadores etc. sem limites para munição, conforme previam os decretos”, reafirma o advogado José Arnaldo da Fonseca Filho.

A arma compacta mais vendida hoje no Brasil é a pistola G2C, 9 mm, que tem carregadores de 12 munições e uma bala na câmara. Seu valor gira em torno de R$ 3,8 mil no mercado oficial e ela pode ser adquirida até pela internet, parcelada em até 12 meses no cartão de crédito.

Com informações da Conjur

Deixe um comentário

TV JURINEWS

Apoio

Newsletters JuriNews

As principais notícias e o melhor do nosso conteúdo, direto no seu email.