A juíza do Trabalho Ananda Tostes, em atuação na 21ª Vara do Trabalho de Brasília, reconheceu a natureza ocupacional da Covid-19 no caso de uma ex-enfermeira do Hospital Santa Lúcia diagnosticada com a doença no período crítico da pandemia. De acordo com os autos, afirmou a magistrada, mesmo não cuidando diretamente de pacientes com a patologia, a enfermeira tratava entubados e compartilhava ambientes com profissionais que cuidavam desses pacientes, sem que a instituição disponibilizasse máscaras faciais do tipo N95 ou similar.
Na reclamação, ao pedir a reintegração ao trabalho ou o pagamento de indenização substitutiva, a enfermeira narra que foi contaminada pelo novo coronavírus em junho de 2020 – período em que trabalhava para o hospital – com acometimento de 50% a 70% dos pulmões e sinais de broncopatia inflamatória. Em razão da doença, detectada por meio de exame laboratorial, ficou afastada do trabalho por cerca de 20 dias. A empresa negou o caráter ocupacional da patologia e se manifestou pela improcedência dos pedidos.
Ao analisar o caso, a juíza Ananda Tostes lembrou que a legislação em vigor aponta que a doença endêmica – conceito que pode ser aplicado à doença pandêmica – adquirida por habitante de região em que ela se desenvolva não é considerada doença do trabalho, “salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”. Assim, explicou a magistrada, quando se constatar que o exercício da atividade laboral expõe o trabalhador ao contágio, o nexo de causalidade pode ser presumido.
A enfermeira foi contaminada durante a primeira fase crítica da pandemia, quando estavam em vigor medidas restritivas em relação a atividades não essenciais, ressaltou a juíza. Em razão do exercício de sua profissão, a enfermeira permaneceu prestando serviços à sociedade, a despeito do risco acentuado de exposição ao coronavírus. Isso em uma época em que sequer havia vacinas disponíveis no Brasil e nos demais países do mundo, salientou.
Mesmo que não trabalhasse com casos de contágio confirmado, prosseguiu a magistrada, a enfermeira tratava pacientes entubados e compartilhava espaços com profissionais que tratavam pacientes com covid-19, como a entrada, a saída e os corredores do hospital. Além disso, realizava o registro de ponto em leitores digitais compartilhados com esses colegas, embora nem sempre houvesse dispositivo com álcool para esterilização das mãos nas proximidades, conforme relato de uma testemunha.
Este mesmo relato apontou, ainda, que tanto a depoente quanto a autora da reclamação receberam apenas máscaras faciais cirúrgicas e de pano, e não máscaras N95, de eficácia superior, e disse, por fim, que muitos outros profissionais do hospital foram contaminados, mesmo não trabalhando no setor de covid-19.
Risco acentuado
O risco acentuado a que estava sujeita a enfermeira, comprovado nos autos, atrai a responsabilidade objetiva do hospital, ressaltou a magistrada, para quem as provas dos autos também comprovaram que a instituição foi, no mínimo, negligente no tocante à redução dos riscos no ambiente de trabalho.
Com base nesses argumentos, a magistrada se manifestou no sentido de que o hospital deve responder pelos danos causados pela doença.
Indenização
Como reconheceu que o caso envolveu doença ocupacional, a magistrada ressaltou que deve ser reconhecido à enfermeira o direito à garantia provisória de emprego pelo período de doze meses ou – diante da passagem de um longo tempo desde os acontecimentos narrados – o pagamento de indenização substitutiva, bem como o pagamento de indenização por danos morais, arbitrada em R$ 22,3 mil, valor pedido pela autora da reclamação.
Com informações do TRT-DF/TO