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Imunidade parlamentar não abrange crime de violência política de gênero

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O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) decidiu receber uma denúncia contra o deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB), do Rio de Janeiro, pelo crime eleitoral de violência política de gênero.

Amorim, em discurso na Assembleia Legislativa do estado (Alerj), referiu-se à vereadora trans Benny Briolly (PSOL), de Niterói, como “aberração da natureza” e “belzebu”. O TRE-RJ rejeitou as preliminares e abriu a ação penal — segundo a Folha de S.Paulo, a primeira pelo crime em questão, criado no último ano.

Para tentar impedir o recebimento da denúncia, a defesa do deputado alegou imunidade parlamentar. Mas a desembargadora-relatora Kátia Valverde Junqueira ressaltou que tal conceito não se compatibiliza com “o discurso de ódio, o ato discriminatório e o preconceito”.

Especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico atestam que a prática do crime de violência política de gênero, de fato, não é protegida pela imunidade parlamentar.

Arthur Rollo, especialista em Direito Eleitoral, indica que a imunidade parlamentar só abrange os atos e as palavras proferidos em razão do exercício do mandato. Mas, mesmo no exercício do mandato, “está havendo a relativização da imunidade parlamentar para casos de abusos”.

De acordo com o advogado, o simples fato de o deputado falar na tribuna da Alerj não é motivo para imunidade parlamentar. “Ele está protegido, por exemplo, se criticar o governador, ou se apontar algum desvio de recurso público”, esclarece. No caso da violência política de gênero, o político não tem esse escudo.

O advogado Sidney Sá das Neves, presidente da Comissão Nacional de Direito Eleitoral da OAB, explica que a imunidade material parlamentar protege os políticos dos chamados crimes vulgares, como injúria e calúnia, cometidos no exercício do mandato e nas dependências da casa legislativa.

Porém, a violência política de gênero não é um crime vulgar ou comum, mas, sim, um crime especial — pois foi inserido no Código Eleitoral, que é uma lei especial, voltada às eleições. Assim, o deputado não estaria “albergado pela imunidade parlamentar material na sua essência”.

Direito não absoluto

O advogado eleitoralista Thiago Fernandes Boverio lembra que, no início deste ano, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que a imunidade parlamentar não é um valor absoluto, e, portanto, os membros do Poder Legislativo podem ser processados por discursos difamatórios.

Assim, a Justiça Eleitoral precisa analisar cada caso concreto e verificar se houve ofensa, até que ponto ela se deu, qual era o contexto, se foi pessoal e se fez parte de alguma perseguição, entre outros aspectos.

Segundo Boverio, a imunidade parlamentar não pode ser examinada com base no crime em debate, mas, sim, na conduta de quem fala e no contexto por trás. Assim, não só a violência política de gênero e a difamação, mas “qualquer tipo de violação ao direito do outro está fora da imunidade parlamentar”.

O presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), Fernando Neisser, também destaca a mudança da jurisprudência nos últimos anos, no sentido de que “a imunidade não é um prêmio dado ao parlamentar para que possa ofender seus desafetos ou praticar crimes de ódio”, mas, sim, uma ferramenta para impedir que seja perseguido no exercício das suas funções.

“Nada justifica, para o bom desempenho da função parlamentar, praticar ofensas ou atacar alguém em razão do seu gênero, raça ou identidade sexual”, assinala Neisser.

Para a advogada eleitoralista Isabel Mota, “é possível afirmar que a imunidade não se estende para impedir a apuração do cometimento do crime de violência política de gênero”.

Ela afirma que a decisão de recebimento da denúncia afastou tal hipótese “de modo exemplar e profundo” para “permitir o processamento sem ainda apontar para culpabilidade”.

O professor e advogado eleitoralista Renato Ribeiro de Almeida ressalta que “a imunidade parlamentar não pode ser entendida como um salvo-conduto para a prática de crimes”. Portanto, para ele, é possível a responsabilização do deputado pela prática de violência política de gênero.

“Uma coisa é a opinião, até ácida, de um parlamentar, utilizando-se da tribuna. Outra coisa é utilizar-se da tribuna pra fazer ataques, como foi no caso, contra uma cidadã, que merece respeito”, diz Almeida. Assim, com a existência de indícios, “o crime de violência política tem de ser apurado sem nenhum tipo de obstáculo por parte da imunidade parlamentar”.

Imunidade afastada

“É evidente que a finalidade da inviolabilidade parlamentar não é legitimar o assédio, o constrangimento, a humilhação, a perseguição ou a ameça voltados para excluir a mulher da vida política”, afirmou Kátia na decisão.

A desembargadora mencionou que o legislador optou por criminalizar condutas “que materializam crime de ódio” e “transbordam os limites da democracia” com a plena consciência de que seriam praticadas, em muitas ocasiões, por parlamentares.

Segundo a relatora, a violência política de gênero ocorre por meio de atitudes típicas da vida parlamentar, como discursos na tribuna, atos regimentais, obstrução aos trabalhos etc. Porém, para ela, “mais importante do que o lugar em que foi proferido é o conteúdo em si do discurso”.

Com informações da Conjur

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