A associação que figurou como autora de ação civil pública pode propor o cumprimento de sentença coletiva na tutela de direitos individuais homogêneos, mas essa legitimidade é subsidiária, sendo cabível apenas quando não houver habilitação de beneficiários ou o número destes for incompatível com a gravidade do dano, nos termos do artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restringiu a legitimidade de uma associação para propor o cumprimento de sentença em ação civil pública ajuizada por ela.
No processo de conhecimento, a Serasa e a Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa (PR) foram condenadas a fornecer gratuitamente o histórico de consultas, entre outras informações, quando da prática do credit scoring – sistema desenvolvido para avaliação do risco na concessão de crédito ao consumidor mediante atribuição de notas, com base em modelos estatísticos e variáveis de decisão.
Em primeiro grau, o juiz determinou o arquivamento da execução movida pela entidade autora, por concluir que caberia a eventuais consumidores interessados ajuizar o cumprimento individual da sentença. A decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que determinou o retorno dos autos à primeira instância para o prosseguimento da execução.
Esclarecimentos sobre credit scoring depende de prévio requerimento do consumidor
Relatora do recurso da Serasa, a ministra Nancy Andrighi explicou que os interesses individuais homogêneos podem ser conceituados como aqueles pertencentes a um “grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato”.
A magistrada verificou que, em relação ao credit scoring – cuja legalidade foi reconhecida pela Segunda Seção em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 710) –, eventuais esclarecimentos sobre os critérios utilizados para valorar informações pessoais e atribuir pontuações pressupõem prévio requerimento dos interessados, o que demonstra que tal direito pode não ser do interesse de todos os consumidores, mas apenas daqueles que pretendem obter crédito e estão sujeitos à negativa em razão de sua pontuação.
“O interesse em tais esclarecimentos diz respeito, portanto, a um número determinável de consumidores unidos por um objeto divisível de origem comum, evidenciando o seu caráter de direito individual homogêneo, nos termos do artigo 81, parágrafo único, III, do CDC“, disse a ministra.
Legitimidade subsidiária para liquidação e execução da sentença coletiva
Segundo a relatora, embora o artigo 98 do CDC se refira à execução da sentença coletiva, as particularidades da fase executiva impedem a atuação dos legitimados coletivos na forma de substituição processual, pois o interesse social que autorizaria sua atuação no processo de conhecimento está vinculado ao núcleo de homogeneidade do direito – elemento que não é preponderante na fase executiva.
Por conta disso, esclareceu, o artigo 100 do CDC previu hipótese específica e acidental de tutela dos direitos individuais homogêneos pelos legitimados do rol do artigo 82, que poderão figurar no polo ativo do cumprimento de sentença por meio da denominada recuperação fluida (fluid recovery).
“Conforme a jurisprudência desta corte, a legitimação prevista no artigo 97 do CDC aos sujeitos elencados no artigo 82 do CDC é subsidiária para a liquidação e execução da sentença coletiva, implementando-se no caso de, passado um ano do trânsito em julgado, não haver habilitação por parte dos beneficiários ou haver em número desproporcional ao prejuízo em questão, nos termos do artigo 100 do CDC”, afirmou.
No caso em análise, a ministra observou que o TJ-PR decidiu que a associação teria legitimidade para promover o cumprimento de sentença, na qualidade de substituto processual dos direitos individuais homogêneos reconhecidos na ação civil pública. Para ela, contudo, o acórdão violou parcialmente o artigo 100 do CDC, pois não condicionou a legitimidade (subsidiária) da associação às hipóteses previstas no dispositivo.
Leia o acórdão no REsp 1.955.899.
Com informações do STJ