A parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Maranhão para desenvolver projeto que vai regular a superlotação nos presídios brasileiros de forma definitiva foi consolidada. Em solenidade em São Luís, o CNJ, o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), o governo do estado e a Escola Superior de Magistratura do Maranhão (Esmam) assinaram termo de cooperação técnica para a criação da primeira Central de Regulação de Vagas no sistema prisional do país.
A Central de Regulação de Vagas é uma metodologia desenvolvida pelo CNJ desde 2019, que parte de experiências bem sucedidas no Brasil e no exterior. A proposta reúne um conjunto de ferramentas para garantir uma atuação integrada do Judiciário e do Executivo em casos que envolvem fluxos de pessoas encarceradas.
O coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ, Luís Lanfredi, afirmou que essa é uma forma emancipatória de enfrentar as mazelas do sistema prisional para superar os graves problemas reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal ao constatar o estado de coisas inconstitucional sobre as prisões do Brasil.
“Com a Central de Regulação de Vagas, estamos falando de medidas estruturantes, que podem efetivamente devolver qualidade aos serviços penais, interferindo na cultura do Sistema de Justiça e trazendo mais racionalidade ao sistema prisional deste país.”
O presidente do TJ-MA, desembargador, Paulo Velten Pereira, destacou o pioneirismo do Maranhão nessa ação, “fruto do esforço de várias instituições comprometidas com a solução da questão prisional”. Para Velten, esse é um passo decisivo para a melhoria dos serviços de Justiça. “Agora, os magistrados vão poder atuar também pensando e colocando sobre a mesa a gestão das vagas sob sua responsabilidade, sempre em parceria com o Poder Executivo. O papel do juiz não acaba quando ele põe alguém na cadeia. A Justiça precisa acompanhar como esse processo se realiza e se executa dentro das prisões.”
O corregedor-geral do TJMA, desembargador José de Ribamar Froz Sobrinho, ressaltou a união das instituições para a superação das questões de superlotação. “O nosso estado sempre foi um local em que os projetos do CNJ encontram apoio, por conta das facilidades interinstitucionais de que dispomos para construir essas ações, com a participação da Defensoria, Ministério Público, OAB e a sociedade civil organizada.”
“Colocamos toda a estrutura da Escola Superior da Magistratura do Maranhão à disposição para a iniciativa da Central de Regulação de Vagas, para realização de capacitações, seminários, cursos, palestras e para auxiliar pesquisas sobre o tema”, explicou o diretor da Esmam, desembargador José Jorge Figueiredo dos Anjos.
Sinergia
“Hoje o sistema prisional do Maranhão se tornou um exemplo positivo, com algumas das melhores práticas em prisões no Brasil. Só foi possível superar a difícil situação que existia aqui pois diversas instituições trabalharam em sinergia”, afirmou o secretário estadual de Administração Penitenciária, Murilo Andrade. Ele destacou ainda que 70% das pessoas presas no estado trabalham. O sistema prisional do Maranhão fornece móveis para as escolas e roupa de cama para hospitais públicos, além de outros insumos.
A explicação do objetivo da Central de Regulação de Vagas é simples, segundo detalhou o supervisor da Unidade de Monitoramento e Fiscalização (UMF) do TJ-MA, desembargador Ronaldo Maciel. “Se não podemos colocar dois alunos ocupando uma mesma cadeira de uma escola, não podemos ter dois presos sobrepostos para uma mesma vaga.”
O presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão, juiz Holídice Barros, contou que, durante sua participação em diversos mutirões carcerários ao longo da carreira, percebeu ser necessária uma política duradoura. Para ele, a Central é um exemplo concreto dessa política. Ele falou ainda da necessidade de o sistema incorporar o conhecimento e a experiência dos juízes, promotores e defensores, pois só assim alcançará uma configuração viável e em condições de proporcionar a satisfação de todos os interesses envolvidos.
Citando documentos do CNJ, o presidente da Associação Nacional dos Desembargadores (Andes), desembargador Marcelo Buhatem, explicou que o Brasil tem mais de 800 mil pessoas em privação de liberdade, ao custo mensal médio de R$ 1,8 mil por pessoa presa.
“São R$ 15 bilhões ao ano. É duas vezes o investimento federal em educação básica”, afirmou. O desembargador também questionou os tipos de crime que efetivamente chegam ao Judiciário e afirmou que “apenas 8% dos homicídios no país viram inquérito policial, e apenas 2% destes chegam efetivamente para a justiça julgar”.
Também estiverem presentes à cerimônia, o defensor público geral do Maranhão, Gabriel Furtado; o procurador-geral de Justiça, Eduardo Nicolau; o secretário da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Jorge Serejo; a presidente do Conselho Penitenciário do Maranhão, Susan Lucena; o presidente da OAB-MA, Kaio Saraiva; e a juíza auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça da Paraíba, Michelini de Oliveira representando o presidente, desembargador Saulo Henriques Benevides.
A metodologia da Central de Regulação de Vagas foi elaborada pelo CNJ com apoio técnico do programa Fazendo Justiça, desenvolvido desde 2019 em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública para incidir em desafios no campo de privação de liberdade. O programa também apoia tratativas técnicas para a implementação do projeto, que está em negociação pelo CNJ em outras unidades da federação.
Avanços no socioeducativo
No período da tarde, a mobilização ocorreu em torno de melhorias no sistema socioeducativo, a partir de ações já trabalhadas pelo CNJ em outras unidades da federação. CNJ, TJ-MA e a Secretaria estadual de Direitos Humanos e Participação Popular assinaram a resolução para a implementação da Central de Vagas do Socioeducativo e para a realização das audiências concentradas.
A Central de Vagas do Socioeducativo tem como objetivo evitar a ocupação excessiva das unidades de internação, dando cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal no HC coletivo 14.3988. Além de regulamentar o tema por meio da Resolução CNJ n. 367/2021 – com posterior publicação de manual orientador -, o CNJ vem fomentando a ampliação das Centrais de Vagas a partir de experiências bem sucedidas já em andamento no país. O Maranhão é 11º estado a instalar uma central de vagas para o sistema socioeducativo. A concepção e o funcionamento das Centrais de Vagas do socioeducativo são diversas da Central de Regulação de Vagas do sistema prisional, inclusive com o envolvimento de atores institucionais distintos.
Já as audiências concentradas já estão em operação em outros oito estados, também orientadas por Recomendação e manual publicados pelo CNJ . O objetivo é otimizar a participação dos poderes públicos e de pessoas próximas aos adolescentes na avaliação do cumprimento da medida socioeducativa, para entender se ela ainda é necessária ou se já cumpriu seu objetivo. As duas ferramentas são difundidas pelo CNJ com apoio do programa Fazendo Justiça, iniciativa em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
“No socioeducativo estamos diante de seres humanos em desenvolvimento e sob a égide legal da proteção integral, o que aumenta a nossa responsabilidade como sociedade e como Estado”, comentou o representante do CNJ e coordenador do DMF, Luís Lanfredi. “Medida socioeducativa não é pena, tem um caráter pedagógico. Até por isso preferimos realizar dois eventos separados.”
Para o presidente do TJ-MA, desembargador Paulo Velten Pereira, “existe de fato no Maranhão um sistema de proteção integral ao adolescente em conflito com a lei, e essas ferramentas vão aprimorar o que já está em funcionamento”. Velten destacou a parceria entre Judiciário e Executivo no acordo da Central de Vagas.
A secretária estadual adjunta de Direitos Humanos e Participação Popular, Lisandra Leite, concordou que a Central de Vagas contribuirá para gerir e cuidar melhor dos adolescentes em privação de liberdade. “Quando um adolescente entra em conflito com a lei, significa que falhamos como sociedade em não agir anteriormente. Não podemos perder outra oportunidade de melhorar a vida dessas crianças e adolescentes, proporcionando o melhor tratamento possível enquanto estão cumprindo medidas socioeducativas”.
Com informações do CNJ