O Poder Judiciário não pode substituir a atuação de órgão federal, no caso a Anvisa, para, a partir de critérios técnicos ainda em aberto, deferir ou não a produção e a extração da cannabis para fins medicinais.
Com base nesse entendimento, a 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou decisão de primeiro grau que negou a concessão de um salvo-conduto para cultivo de cannabis sativa para fins medicinais. O pedido foi feito pela mãe de uma criança de 3 anos, que possui doenças congênitas e lesões cerebrais.
Segundo a mãe, o uso do óleo enriquecido com canabidiol trouxe melhora e alívio à grave condição da criança, que necessita do medicamento de modo urgente, contínuo e em quantidades aptas a garantir a continuidade do tratamento, garantindo dignidade à vida da menor. Porém, o Habeas Corpus preventivo foi rejeitado.
O relator, desembargador Marcos Correa, reconheceu o quadro delicado da paciente, que comprovou o histórico de suas intercorrências médicas, a indicação do uso do óleo medicinal por parte dos profissionais que a acompanham, a melhora de seu estado em razão da substância derivada da cannabis, a expectativa positiva traçada pelos médicos com a continuidade do tratamento, bem como a dificuldade de adquirir o medicamento importado em razão do alto custo.
“No entanto, percebe-se que a hipótese exige enorme dilação probatória e, indiscutivelmente, a participação na discussão dos órgãos administrativos competentes acerca de diversos pontos tais como: estipulação de prazo da autorização de cultivo; eventuais requisitos para a renovação; indicação de local, condições e quantidade das plantas; regras para capacitação das pessoas autorizadas; fiscalização da produção, transformação e descarte correto da plantas, etc”, afirmou.
O magistrado também ressaltou que não houve qualquer negativa por parte do órgão administrativo contra a paciente, porque sequer houve pedido formulado junto à Anvisa para autorização do plantio ou mesmo para aquisição do medicamento industrialmente produzido.
“Muito embora a impetrante sustente a impossibilidade de importação ou compra local do medicamento por ser altamente custoso e, ainda, a dificuldade de fornecimento do óleo industrializado pelo SUS, não há comprovação de que a paciente tenha se socorrido da rede pública ou que, em algum momento, tenha enfrentado recusa no fornecimento do fármaco”, completou Correa.
Além disso, prosseguiu o relator, não há demonstração de que a família da paciente tenha buscado tutela perante a Fazenda Pública para obter o medicamento às custas do Estado, “nada autorizando, portanto, por ora, a concessão de salvo-conduto”.
“Em suma, não houve pedido de autorização do plantio, não houve pedido de importação e não houve pedido de fornecimento do medicamento às custas do Poder Público. Por fim, obviamente, não houve negativa. Assim, especificamente à seara criminal, não há constrangimento ilegal”, explicou o desembargador.
Ele considerou impossível, neste momento processual, reconhecer a atipicidade da conduta que se pretende salvaguardar, pois, de um lado, o cenário extrapolaria o âmbito do Habeas Corpus, cujos estreitos limites não permitem dilação probatória, e de outro, porque a mãe da paciente, ao que consta, sequer está sendo investigada pela Polícia.
“De fato, não se nega que a jurisprudência esteja dividida e que haja importantes considerações de parte de quem defende a concessão da autorização, no entanto, na posição, por ora, adotada nesta turma, ainda que se reconheçam relevantes os argumentos e o caso trazido, não cabe a esta Corte, através desta via, conceder o salvo-conduto”, concluiu. A decisão se deu por unanimidade.
Processo 1007974-05.2021.8.26.0271
Fonte: Conjur