Devido à falta de detalhamento das condutas e de elementos externos que corroborassem a palavra dos colaboradores, a 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) determinou nesta quarta-feira (6) o trancamento de uma ação penal fruto de uma investigação contra um homem acusado de participar como doleiro em um esquema criminoso.
A decisão é a primeira relacionada a essa investigação na qual se reconhece a inépcia da denúncia. A peça havia sido recebida quatro anos atrás pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.
Em junho de 2018, o Ministério Público Federal relatou a existência de uma extensa rede de doleiros, supostamente presente nos principais centros comerciais do país, chefiada por Dario Messer.
Os operadores estariam envolvidos na lavagem do dinheiro de diversas organizações criminosas, incluindo aquela que seria liderada pelo ex-governador do Rio Sérgio Cabral. Ao todo, 62 pessoas foram denunciadas.
Cinco meses depois, o órgão ofereceu denúncia contra mais uma. O réu em questão foi considerado operador financeiro de sua mulher, que já havia sido denunciada. Segundo a peça, ele seria o “homem forte dos bastidores” da esposa, movimentaria contas e contataria advogados para abertura de offshores.
O homem, então, foi acusado de organização criminosa, evasão de divisas, lavagem de capitais, ameaça e obstrução de investigação. Mais tarde, o Superior Tribunal de Justiça declarou a extição da sua punibilidade quanto ao delito de ameça, devido à prescrição.
O MPF alegou que só teria conseguido constatar a participação do suposto doleiro nos negócios da esposa após uma “melhor análise” do material obtido com quebras telemáticas.
Responsabilidade por condição marital
A defesa sustentou que o homem foi denunciado somente por ser marido de outra acusada. “Inaugurou-se uma nova e excepcional espécie de responsabilidade penal objetiva: aquela por condição marital”, diz trecho do Habeas Corpus impetrado no TRF-2.
De acordo com os advogados, a denúncia apresentada contra o paciente era uma “verdadeira reprodução” e uma “cópia literal e reduzida” daquela apresentada contra sua mulher.
A peça não detalhou, especificou, nem individualizou “qualquer ato atribuível ao paciente no contexto investigado da operação”. Também não houve indicação de quando, onde e como teria ocorrido o suposto ajuste com os demais envolvidos no esquema, nem qual seria o papel desempenhado pelo homem na organização criminosa.
Na verdade, o nome do réu foi literalmente inserido na narrativa da denúncia contra sua esposa. O MPF apenas acrescentou na peça expressões como “auxiliada por seu marido”.
Quanto às acusações de ameaça e obstrução de Justiça, a denúncia teria apenas reproduzido a narrativa de dois colaboradores premiados, sem descrever “obetiva e concretamente” a conduta supostamente praticada.
Bretas em ação
Mesmo assim, o juízo de primeiro grau, segundo a defesa, recebeu a acusação por meio de decisão genérica, somente acolhendo a argumentação do MPF. Os advogados apontaram vícios da ação penal originária e deficiências da denúncia, mas Bretas apenas ratificou o recebimento da peça e determinou o prosseguimento do feito.
Segundo a defesa, a decisão era “padronizada” e “aplicável a todo e qualquer caso”. O juiz não teria apreciado as teses levantadas, “restringindo-se a refutar os percucientes fundamentos defensivos de forma genérica”.
A desembargadora Simone Schreiber, relatora do caso, concordou com os argumentos da defesa. Segundo ela, “a denúncia não atribuiu ao paciente nenhuma conduta específica” e não descreveu “quais atos específicos teriam sido desempenhados” por ele para auxiliar a mulher em cada uma das operações. “A menção ao paciente como operador financeiro de sua esposa não vem acompanhada de nenhuma explicação sobre como se daria a sua atuação”, assinalou ela.
Além disso, as condutas que de fato poderiam configurar delitos — como o suposto recebimento de reais para compensação de operações com outros doleiros — estariam amparadas somente na palavra dos colaboradores premiados, “sem confirmação em elementos externos de corroboração”.
Detalhamento das condutas
Ao alegar que o paciente adotava medidas para blindar e ocultar o patrimônio, o MPF apresentou e-mails enviados por ele para advogados sediados no Uruguai e nas Bahamas sobre a abertura de empresas offshore.
Porém, Schreiber afirmou que esse tipo de consulta “não constitui delito”. Além disso, o MPF não informou se a conta foi efetivamente aberta ou utilizada em algum ato de lavagem de dinheiro ou evasão de divisas supostamente praticado pela esposa.
Um dos e-mails teria sido enviado pela mulher, com cópia para o marido, a um advogado uruguaio. A mensagem faria referência a uma visita presencial ao escritório e a um acordo. O advogado em questão seria responsável pela abertura de offshores para diversos doleiros da rede criminosa.
No entanto, a relatora observou que a denúncia não explicou quem seria o advogado, quais seriam os números das contas abertas por ele usadas na rede de Dario Messer, nem qual seria o número da conta usada pelo casal para os supostos delitos.
O MPF também alegava que o paciente teria tentado interferir no curso das investigações, por meio da intimidação dos colaboradores. Ele teria abordado um corretor de imóveis para descobrir o endereço e outras informações sobre os bens da família de um deles. O órgão apresentou uma folha, encontrada com o réu, com detalhes sobre a vida dos colaboradores.
Mas a desembargadora ressaltou que o corretor de imóveis não foi ouvido para confirmar as alegações. Já a folha encontrada não comprovaria que o paciente abordou o corretor.
Com informações da Conjur