Os magistrados devem ter consciência do papel institucional do Poder Judiciário, sensibilidade e humanismo em sua atuação e promover a defesa intransigente dos direitos e das garantias fundamentais. Esse foi o recado que o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes passou nesta segunda-feira (13/6) a juízes recém-empossados do Rio de Janeiro.
Em cerimônia no Tribunal de Justiça fluminense, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro agraciou Gilmar Mendes com a medalha comemorativa dos 90 anos da criação da Justiça Eleitoral. A sessão faz parte das homenagens pelos 20 anos de Supremo do ministro, que serão completados na próxima segunda-feira (20/6).
Criada pelo TRE-RJ neste ano para a comemoração dos 90 anos da Justiça Eleitoral no Brasil, a medalha é destinada a personalidades do mundo jurídico que contribuíram de forma efetiva para a Justiça Eleitoral. Nos dois períodos da gestão de Gilmar como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, foram desenvolvidos projetos importantes como o aplicativo e-Título, a implantação da usina fotovoltaica e o encaminhamento do projeto de lei que trata da reativação do Centro Cultural da Justiça Eleitoral, no Rio de Janeiro.
Em palestra aos novos magistrados, Gilmar lembrou que, muitas vezes, juízes representam a última trincheira do Estado de Direito. “Esse peso institucional faz com que juízes devam receber as partes e seus advogados e refletir sobre suas razões. Sempre que posso, marco audiência e ouço os advogados. Isso é fundamental. É fundamental que nós estejamos abertos, que não sejamos dogmáticos”.
Magistrados devem abraçar a tecnologia, especialmente se ela permitir que os processos corram mais rapidamente, disse o ministro. No entanto, apontou, juízes não podem esquecer a importância de estarem presentes em suas comarcas. “É a presença da autoridade judicial que permite que, em última instância, haja uma resposta. E sabemos que continua a haver um imenso déficit nessa seara”.
Gilmar também destacou que a questão carcerária é uma das mais importantes para o Judiciário. Dados do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões do Conselho Nacional de Justiça, divulgados pelo jornal O Globo, indicam que a epidemia de Covid-19 pode ter levado o Brasil ao marco de 919.651 presos. E cerca de 40% deles são provisórios.
“É um problema do Judiciário porque é o juiz quem prende e o juiz quem solta, quem decide”, declarou o ministro. Ele lembrou a importância das medidas cautelares alternativas à prisão e da audiência de custódia. E defendeu que juízes realmente analisem a necessidade da detenção, evitando a conversão automática da prisão em flagrante em preventiva.
E o encarceramento, por si só, não melhora a segurança pública, destacou. “Muitos dos presídios são escritórios do crime”. Gilmar também disse ser favorável a descriminalizar a posse de drogas para uso pessoal, como ele já votou no STF, até porque a Lei 11.343/2006 aumentou muito o número de encarcerados por tráfico de entorpecentes.
O magistrado ainda afirmou que equidistância e imparcialidade não significam distanciamento e insensibilidade. “Para fazer justiça de verdade, é preciso escutar todos os argumentos com empatia e alteridade”.
Ele deu o exemplo da adolescente de 15 anos que, em 2007, ficou presa por 26 dias numa cela com 30 homens, em Abaetetuba (Pará), sendo constantemente estuprada. A então alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Louise Arbour, cobrou o Brasil sobre isso. Gilmar, que na época era presidente do STF e do CNJ, tentou explicar que havia uma dificuldade no Brasil devido à gestão dupla do sistema carcerário pelo juiz da execução penal e pelo gestor dos presídios.
Por fim, o ministro ressaltou a relevância de olhar para os mais pobres ao decidir. E afirmou que juízes devem ter humanismo, noção de realidade e humildade. Gilmar lembrou que, há alguns anos, era confrontado nas ruas por gente que falava que ele era o ministro que “liberta geral”. “Porém, o cenário mudou, e hoje vivo momentos de reconhecimento e aplausos”, disse o ministro.
Fonte: Conjur