O painel criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para divulgar a remuneração dos magistrados omite 60.179 contracheques de juízes e desembargadores de todas as regiões do país, revela levantamento inédito da Transparência Brasil.
Segundo relatório da entidade, há 15 Tribunais de Justiça com dados incompletos no portal do CNJ. Em alguns casos, a falha atinge apenas um mês. Em outros, mais de um ano.
A divulgação dos vencimentos de magistrados é obrigatória. Resolução do CNJ de 2015 estabeleceu que sejam informados remuneração e proventos, incluindo indenizações e qualquer outro valor pago, com identificação individualizada e nominal do beneficiário.
Em 2017, o órgão determinou que os tribunais passassem a enviar os dados ao CNJ cinco dias depois de feitos os pagamentos. No ano seguinte, a regra foi seguida à risca, sem exceções.
A partir de 2019, porém, começaram os problemas. Eles se dividem em dois tipos: 1) apresentação do valor total gasto em determinado mês, sem indicar de forma individualizada cada magistrado e as respectivas cifras; 2) ausência de qualquer informação relativa a um ou mais meses.
A análise da Transparência Brasil, que resultou no Índice de Transparência DadosJusBr, mostra que o campeão no ranking de desrespeito a essas normas é Tribunal de Justiça do Piauí.
De 2018 a 2021, período abarcado pelo estudo, são 33 meses consecutivos com dados incompletos ou inexistentes no portal do CNJ.
Em segundo lugar aparece o TJ do Ceará, com 21 meses somados, dos quais 19 em sequência. Outros tribunais que estão no topo desse ranking são o de Roraima e o da Bahia, com 17 meses irregulares cada um.
Além desses, mais 11 TJs figuram nessa lista com menos prestações de contas incompletas: o de Minas, com 9 lacunas, o do Sergipe, com 8, Acre, com 4, Mato Grosso e Tocantins, com 3 cada um, além de Alagoas, Distrito Federal, Pará, Paraíba, Paraná e Rio Grande do Sul, com 1 cada um.
A falta de prestação de contas de tribunais, além de contrariar normas do próprio CNJ, revela uma postura contrária ao princípio da publicidade e gera desconfiança sobre as razões dessa opacidade”, diz Juliana Sakai, diretora de Operações da Transparência Brasil.
“Num estado democrático, é obrigação do poder público prestar contas com a sociedade, que é a quem este poder serve. Quando se trata de magistrados, a transparência de contracheques é especialmente importante pelos conhecidos casos de pagamentos exorbitantes que superam em muitas vezes o teto constitucional”, afirma.
A alimentação do painel de remuneração é de responsabilidade dos próprios tribunais, que devem encaminhar os dados por meio de documento padrão pelo sistema do CNJ.
De acordo com a assessoria do órgão, um dos problemas é que às vezes algumas cortes mandam planilhas com formatação diferente, o que impede a leitura correta dos dados.
O CNJ diz que um dos compromissos da gestão do ministro Luiz Fux à frente do órgão é a ampliação da transparência das atividades do Judiciário e que tem procurado sanar todas as lacunas.
A assessoria afirma ainda que o Judiciário brasileiro é o único do mundo que disponibiliza a remuneração de magistrados, reforçando o entendimento de que a publicidade é um dos princípios fundamentais da administração pública.
A Folha procurou na quarta-feira (9) as assessorias de imprensa de todos os tribunais citados nesta reportagem e repetiu o contato na sexta. Ainda assim, não obteve explicações dos TJs da Paraíba, de Tocantins, de Mato Grosso, de Alagoas e de Roraima.
Os tribunais do Rio Grande do Sul, do Paraná, do Distrito Federal, de Sergipe e da Bahia disseram que preencheram as informações no sistema do CNJ e afirmaram que vão verificar onde está a falha.
O tribunal do Acre informou que está implantando um novo sistema e que em breve a situação será normalizada.
Os tribunais de Minas Gerais e do Piauí afirmaram que têm compromisso com a transparência e que divulgam os dados nos próprios portais, mas não explicaram por que há lacunas no sistema do CNJ.
Os tribunais do Pará e do Ceará disseram que são transparentes, mas não explicaram as falhas no painel do CNJ.
Fonte: Folha de São Paulo