O Brasil entra em 2022 com uma campanha inédita de enfrentamento da violência infantojuvenil. Por meio dela, crianças e adolescentes podem, com o simples gesto de cruzar os dedos, fazer a denúncia anônima de abusos e maus-tratos. A campanha “Me Proteja” foi lançada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Uma publicação traz os fundamentos da campanha, indicações de como fazer a denúncia e as providências a serem tomadas pelo CNJ e tribunais. O objetivo é que o gesto de cruzar os dedos seja amplamente divulgado, principalmente em escolas públicas, de forma a ensinar meninos e meninas o que isso passa a significar. E para que as pessoas adultas, ao constatar esse tipo de aviso anônimo, acionem o Disque 100 ou o aplicativo Direitos Humanos Brasil.
O lançamento da campanha foi realizado durante a reunião anual do Fórum Nacional da Infância e Juventude (Foninj). A ação conta com o apoio da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e da organização Childhood Brasil.
A campanha é resultado de um grupo de trabalho criado pelo CNJ para propor medidas de enfrentamento a esse tipo de violência. Para a conselheira do CNJ e presidente do Foninj, Flávia Guimarães Pessoa, a elaboração da campanha foi muito cuidadosa e todas as equipes envolvidas tiveram muito cuidado para elaborá-la.
“Esse é um tema muito complexo, que requer uma atenção especial. Entendemos e acreditamos que será uma campanha que surtirá muito efeito diante da população.”
“Construímos uma campanha com grande cuidado técnico, tendo em vista a própria sensibilidade que envolve a temática. Com os índices da pandemia cada vez mais alarmantes, indicando o expressivo aumento no número de casos de violência infantil, não podíamos ficar de braços cruzados”, reforçou Trícia Navarro, juíza auxiliar da Presidência do CNJ, ressaltando que a campanha dá voz às crianças e adolescentes, inclusive adolescentes gestantes, “por meio de um gesto simples e de fácil compreensão”.
Vítimas
A violência no país contra crianças e adolescente é alarmante. Entre 2011 e 2018, a notificação de abuso, agressão e maus-tratos a crianças de 0 a 9 anos mais que triplicou, com o número de vítimas passando de pouco mais de 13 mil para quase 46 mil por ano, segundo dados do Boletim Epidemiológico mais recente da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Os números foram obtidos a partir de registros do Sistema de Informação de Agravo de Notificação.
E especialistas advertem que esse quadro se agravou ainda mais em 2020 e 2021 em função do isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19, considerando que a maioria das ocorrências são em ambiente familiar. Com o agravante de que, nesse período, ficou mais difícil fazer a notificação dos casos.
Conforme dados da Ouvidoria de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, foram registradas 2,4 milhões de ocorrências de violência infantojuvenil em 2020. É nesse contexto que a campanha “Me Proteja” está sendo lançada, buscando incentivar uma forma segura para que crianças e adolescentes mostrem que estão sendo vítimas.
Abandono
Outro dado revelador da gravidade da questão é o ranking dos tipos de violência. O Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde mostra que a grande maioria das vítimas (53,4%) é abandonada pelos responsáveis. E tão grave quanto o abandono é a violência sexual, com 26,5% das crianças e adolescentes sendo vítimas de estupro. As agressões físicas em suas diferentes formas representam 24,3%, seguidas pela violência psicológica (13,9%).
Em relação à morte de meninos e meninas em decorrência de violência, a maior parte ocorre por agressão com armas de fogo, seguida por estrangulamento, força e por arma branca. De acordo com o Boletim, na esmagadora maioria das vezes, 97,8% dos casos, o agressor é um familiar.
“Essa situação ficou ainda pior durante a pandemia porque grande parte dessa violência ocorre dentro de casa. É por isso que a perspectiva da Campanha Me Proteja é a da criança e do jovem. Eles são os sujeitos principais dessa campanha”, comenta Trícia Navarro.
Gravidez precoce e trabalho infantil
A juíza informou que o gesto de cruzar os dedos será, também, uma opção de denúncia para muitas jovens grávidas de forma prematura que seguem, mesmo durante a gestação e o pós-parto, sofrendo diferentes tipos de violência. A campanha também servirá para que sejam feitas denúncias de trabalho infantil e tráfico de jovens e crianças.
Em 2016 o Brasil possuía, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, 2,4 milhões de crianças em situação de trabalho infantil com 104 mil com idade entre 4 e 9 anos.
A campanha “Me Proteja” se associa, também, à outra iniciativa da justiça para a proteção da infância e juventude. No início de dezembro, durante a realização do 15º Encontro Nacional do Poder Judiciário, os tribunais aprovaram a meta inédita para a justiça brasileira em 2022 de promoção dos direitos da criança e do adolescente. A nova diretriz se aplica à Justiça do trabalho, Justiça estadual e Justiça federal.
Com informações do CNJ