O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de interpretações de dispositivos do Decreto 9.546/2018 que excluam o direito de candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos.
Também considerou inconstitucional a submissão genérica de candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios em provas físicas, se não ficar demonstrada a sua necessidade para o exercício da função pública. O princípio da adaptação razoável designa as modificações e os ajustes necessários que não acarretem ônus desproporcional ou indevido.
Em decisão unânime, o colegiado confirmou a cautelar deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6476 e converteu o julgamento do referendo em análise de mérito.
A ADI foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) contra o Decreto 9.546/2018, que, ao alterar o regramento anterior (Decreto 9.508/2018) sobre reserva de vagas para pessoas com deficiência nos concursos para a administração federal, excluiu a previsão de adaptação das provas físicas para esse grupo e estabeleceu que os critérios de aprovação nessas provas poderão ser os mesmos aplicados aos demais candidatos, entre outras disposições.
Direitos das Pessoas com Deficiência
Em seu voto, o ministro Barroso observou que a Constituição Federal, em relação ao trabalho de pessoas com deficiência, proíbe qualquer discriminação relativa a salário e critérios de admissão (artigo 7º, inciso XXXI) e assegura a reserva de percentual de cargos e empregos públicos (artigo 37, inciso VIII).
Já a Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), incorporada à ordem jurídica brasileira com o status de emenda constitucional, veda qualquer tipo de discriminação em razão da deficiência que tenha o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
No mesmo sentido, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) também veda qualquer discriminação, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão e exames admissional e periódico, bem como a exigência de aptidão plena.
Tecnologias assistivas
Em relação ao dispositivo que prevê a possibilidade de o candidato com deficiência utilizar, nas provas físicas, suas próprias tecnologias assistivas, sem a necessidade de adaptações adicionais, Barroso afirmou que a única interpretação constitucionalmente adequada é a que prevê uma faculdade em favor desse candidato.
Dessa forma, se um candidato surdo que usa aparelho auditivo considerar desnecessário qualquer tipo de adaptação adicional, ele pode dispensar, por exemplo, a presença de intérprete de Libras.
“A intenção, evidentemente, não é admitir a pessoa que não esteja apta ao exercício da função pública”, assinalou. “Não se garantem as adaptações irrazoáveis e que não atendam a critérios de proporcionalidade. Por outro lado, é preciso eliminar toda barreira de acesso a cargos públicos às pessoas com deficiência que são aptas ao exercício da função”.
Provas físicas
Quanto ao dispositivo que estabelece que os critérios de aprovação nas provas físicas poderão ser os mesmos para candidatos com e sem deficiência, o relator considerou que essa exigência só se sustenta quando for indispensável ao exercício das funções de um cargo específico, não se aplicando indiscriminadamente a todo e qualquer processo seletivo.
Jurisprudência
O ministro lembrou que o STF já enfrentou questões semelhantes e citou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 676335, em que foi estabelecido que a presunção de que nenhuma das atribuições dos cargos de natureza policial pode ser desempenhada por pessoas com deficiência é incompatível com a norma constitucional, que lhes garante a destinação de vagas em concurso público.
A eventual incompatibilidade com a função deve ser avaliada segundo os princípios do concurso público, da legalidade, da igualdade e da impessoalidade.
Com informações do STF