A Justiça Federal no Rio Grande do Sul determinou a anulação do ato administrativo que criou cotas para transexuais na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) em 2023. A decisão, proferida pelo juiz substituto Gessiel Pinheiros de Paiva, da 2ª Vara Federal de Rio Grande, estabelece que os alunos que ingressaram na instituição por meio dessa política devem ter suas matrículas canceladas ao fim do ano letivo. A decisão ainda cabe recurso.
Na decisão, publicada em 25 de julho, o magistrado argumentou que a ação afirmativa não foi bem fundamentada e viola o princípio da isonomia ao favorecer uma população sem justificativa suficiente. “Foi criada uma vantagem não justificada para uma determinada categoria de pessoas, com base em característica pessoal“, escreveu o juiz.
Paiva afirmou que a justificativa baseada no número de assassinatos de pessoas trans no Brasil, utilizada pela FURG, é insuficiente. O país, segundo levantamentos de organizações sociais, é o que mais mata essa população. Contudo, o magistrado comparou os dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), que registraram 781 assassinatos de pessoas trans entre 2017 e 2021 (média de 156 casos por ano), ao número geral de homicídios no país. Estimativas do Atlas da Violência apontam que 616.095 pessoas foram assassinadas entre 2011 e 2021, correspondendo a pouco mais de 61 mil mortes anualmente.
“Portanto, se constata que o número de assassinatos de pessoas trans no Brasil não possui nada de diferente (ao contrário, é ainda várias vezes menor em percentuais) do que a violência geral que assola o país, não havendo como tais dados serem considerados como relevantes para instituição de políticas afirmativas de ingresso em universidade“, concluiu o juiz.
Ele ainda ressaltou que universidades federais têm autonomia para elaborar suas próprias normas internas, mas que a autonomia para criação de políticas afirmativas não é livre e irrestrita. A decisão determina o fim do vínculo dos alunos aprovados por meio das cotas trans ao fim deste ano. Entre 2023 e 2025, a FURG reservou 30 vagas a esse grupo.
A ação pública que motivou o despacho foi movida há dois anos pelos advogados Bruno Cozza Saraiva e Djalma Silveira da Silva. No pedido, os advogados argumentam que a promoção de cotas para trans é “política ideológica que, há tempos, vem ocupando as universidades brasileiras” e que não há previsão legal para esse tipo de programa.
Em 2023, uma liminar da 2ª Vara de Justiça de Rio Grande já havia suspendido um edital que criava vagas exclusivas para o ingresso de transgêneros na FURG. Dias depois, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região derrubou a decisão.
A Universidade Federal do Rio Grande (FURG) afirma que, até o momento, não foi intimada de qualquer decisão em relação ao tema. “A instituição reafirma o seu posicionamento em defesa da sua comunidade acadêmica, e em especial a autonomia universitária, preceito que baliza e legitima as deliberações democráticas aprovadas pelo Conselho Universitário e nas demais esferas deliberativas da instituição“, diz a nota da reitoria, que também ressalta seu compromisso com a democratização do acesso ao ensino superior e se coloca à disposição de sua comunidade acadêmica para acolhimento e defesa de direitos.
O Diretório Central dos Estudantes da FURG (DCE-FURG) manifesta “total indignação e aversão” a toda e qualquer forma de ataque ao processo seletivo voltado à comunidade transgênero na universidade. “Nossa universidade é pública, gratuita e socialmente referenciada, e assim sendo não iremos aceitar nenhum passo para trás“, diz a entidade estudantil.