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“Fortuito interno”: Juíza condena banco a restituir carro e validar pagamento de boleto falso de cliente por vazamento de dados

jurinews.com.br

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Um banco foi condenado a restituir um carro a um cliente e terá que considerar válido um pagamento feito a golpistas em um esquema de “boleto falso”. A decisão da juíza Marina de Almeida Gama Matioli, da 4ª Vara Cível de São José do Rio Preto (SP), baseou-se na confiança depositada pelo consumidor na instituição financeira e no acesso dos fraudadores a informações precisas do correntista.

Com a sentença, a juíza negou a consolidação da propriedade do veículo ao banco, revogou a apreensão do automóvel e determinou sua imediata restituição ao cliente. Caso o carro já tenha sido transferido a um terceiro, a instituição financeira deverá pagar ao consumidor o preço médio de mercado do automóvel. Se o veículo for devolvido, o contrato de financiamento deve ser restabelecido.

O cliente e o banco haviam assinado um contrato de financiamento de carro com alienação fiduciária. Nessa modalidade, o comprador transfere a propriedade do bem para a instituição financeira (credora) como garantia do pagamento da dívida relativa ao financiamento.

O banco acionou a Justiça porque o cliente deixou de pagar uma parcela, foi notificado extrajudicialmente e não quitou a dívida. A instituição financeira pediu a busca e apreensão do carro, o que foi aceito em liminar.

O réu, em sua defesa, alegou ter sido vítima de um “golpe do boleto falso”. Ele contou que foi contatado por pessoas que se apresentaram como representantes do banco e tinham todas as suas informações pessoais e contratuais. Por isso, acreditou que estaria quitando a pendência ao pagar o boleto fraudulento. Segundo o cliente, a fraude só foi possível devido a uma falha de segurança no sistema do banco, que permitiu o vazamento de seus dados. A instituição financeira, por sua vez, alegou culpa exclusiva do consumidor, pois ele não teria reparado nos dados do boleto nem checado as informações corretas nos canais oficiais do banco.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA

A juíza Marina Matioli lembrou que os bancos possuem responsabilidade civil objetiva, ou seja, respondem por danos causados aos consumidores decorrentes de defeitos na prestação de seus serviços, independentemente de culpa.

Ela observou que o falso termo de quitação mencionava o número do contrato, os nomes das partes e o nome de um advogado que representa o conglomerado econômico do banco em outras ações. Para a julgadora, isso confere “alta verossimilhança à alegação de que os fraudadores dispunham de informações sigilosas“.

De acordo com a juíza, o acesso a dados confidenciais do consumidor, como o número do contrato, o valor das parcelas e o saldo devedor, “configura uma grave falha na prestação do serviço”, pois essas informações deveriam estar protegidas pela instituição financeira. Para Marina Matioli, a situação se enquadra no conceito de fortuito interno, ou seja, um evento danoso causado por terceiros, mas relacionado diretamente com a organização e os riscos inerentes à atividade empresarial do banco, que não podem ser transferidos para o consumidor.

A juíza explicou que a instituição financeira deveria “desenvolver mecanismos de segurança mais robustos e eficazes para proteger os dados de seus clientes e prevenir a ocorrência de tais fraudes“. Na sua visão, a fraude foi sofisticada, viabilizada pelo vazamento de dados sigilosos, o que criou uma “aparência de legitimidade” e tornou “extremamente difícil para o consumidor médio” identificá-la.

Segundo a magistrada, embora fosse importante que o réu conferisse o destinatário do boleto, isso não é suficiente para caracterizar culpa exclusiva do consumidor. “O homem médio, ao receber uma comunicação que contém todos os seus dados e os detalhes de sua dívida, é levado a acreditar na idoneidade da cobrança”, concluiu.

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