A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, por unanimidade, que o imóvel doado pelo poder público no contexto de um programa habitacional, mesmo que registrado em nome de apenas um dos cônjuges, deve ser considerado patrimônio comum quando destinado à moradia da família. O entendimento vale mesmo que o regime de bens seja a comunhão parcial. Para o colegiado, nessas hipóteses, o bem deve ser partilhado em caso de dissolução da união.
As partes do processo em julgamento se casaram em regime de comunhão parcial e, durante a convivência, receberam do governo do Tocantins um imóvel destinado à moradia da família. A doação foi vinculada a um programa de regularização de assentamentos estaduais. Dezessete anos após a separação de fato, a mulher ajuizou uma ação de divórcio, pedindo a dissolução do casamento e a partilha igualitária do imóvel.
O juízo de primeira instância decretou o divórcio e autorizou a mudança do nome da mulher, mas negou a partilha do imóvel. O entendimento inicial era de que a doação gratuita, feita apenas a um dos cônjuges, tornaria o bem incomunicável, nos termos do artigo 1.659, inciso I, do Código Civil. O Tribunal de Justiça do Tocantins manteve a sentença, considerando que o imóvel foi doado por ato gratuito, com caráter intuitu personae (pessoal), o que afastaria sua divisão entre os cônjuges casados em regime de comunhão parcial. A mulher recorreu ao STJ.
RENDA FAMILIAR E ESFORÇO COMUM
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, afirmou que os imóveis de programas habitacionais assistenciais, voltados a pessoas em situação de vulnerabilidade, são doados à entidade familiar, visando garantir o direito social à moradia (artigo 6º da Constituição Federal). Assim, mesmo quando o imóvel é registrado em nome de apenas um cônjuge, o caráter familiar da concessão deve ser preservado.
Ao justificar a possibilidade de partilha, a ministra afirmou que, se é juridicamente aceitável que o programa Minha Casa Minha Vida favoreça a mulher com uma exceção à regra da comunicabilidade dos bens (artigo 10, parágrafo 2º, da Lei 14.620/2023), também é válida a situação oposta. Segundo ela, “sendo o imóvel doado a um dos cônjuges em sede de programa habitacional, no curso da união, é possível que, por ocasião do divórcio, haja a partilha igualitária do bem, para proveito de ambos“.
Nancy Andrighi também lembrou que o STJ já reconheceu a possibilidade de partilha de direito de uso de imóvel concedido gratuitamente por ente público, mesmo quando a concessão é formalizada em nome de apenas um dos membros do casal. De acordo com a relatora, no caso em julgamento, a renda familiar e o número de dependentes foram elementos essenciais para a concessão do imóvel, evidenciando esforço comum. Por isso, o bem não se submete à regra de incomunicabilidade do artigo 1.659, I, do Código Civil. Como as partes se casaram no regime da comunhão parcial de bens, a turma julgadora decidiu que o imóvel deverá ser partilhado igualmente entre ambas.