A lei brasileira não reconhece a união poliafetiva (entre mais de duas pessoas) como uma unidade familiar, mas ela pode ser registrada em cartório como um contrato entre os cônjuges. Esse é o entendimento da juíza Rossana Teresa Curioni Mergulhão, da 1ª Vara Cível de Bauru (SP), que negou o pedido de um oficial de Justiça para que fosse cancelado um termo de união estável.
O caso teve início quando três homens apresentaram um termo de união estável poliafetiva para registro no Cartório de Títulos e Documentos de Bauru. O ato foi registrado por uma servidora, mas o oficial de Justiça questionou a legalidade do termo, sustentando que a união poliamorosa não está prevista em lei.
O oficial, então, instaurou um procedimento interno, aplicou advertência à escrivã que fez o registro, sustou os efeitos do documento e ajuizou uma ação pedindo a homologação da sustação e o cancelamento definitivo do registro.
Em sua defesa, os homens argumentaram que a união poliafetiva constitui forma de família reconhecida constitucionalmente e que sua proibição configuraria discriminação injustificável. Eles pediram o indeferimento da pretensão do oficial, o cancelamento da punição aplicada à servidora, a homologação definitiva do registro do termo e o envio de ofícios às autoridades competentes para apuração de eventual conduta discriminatória.
AUTONOMIA DA VONTADE
A juíza Rossana Mergulhão entende que as leis brasileiras consagram o princípio fundamental de que, entre particulares, é permitido fazer tudo aquilo que a lei não proíbe expressamente. Sendo assim, o trisal pode lavrar um documento declaratório em um Cartório de Títulos e Documentos. Segundo a magistrada, eles não poderiam fazer o mesmo em um Cartório de Registro Civil, já que isso dependeria do reconhecimento da união poliafetiva como estado civil pelo Estado.
“Não há norma legal que proíba, de forma expressa, o registro de relações interpessoais com caráter meramente declaratório. O que se veda, até o momento, é o reconhecimento jurídico das uniões poliafetivas como entidade familiar, com os efeitos decorrentes do instituto da união estável ou do casamento. No caso concreto, o que se pretende é exatamente isso, o registro de instrumento particular declaratório de união poliafetiva”, escreveu a julgadora.
Ela disse ainda que o Provimento 37/2014 da Corregedoria Nacional de Justiça não proibiu expressamente o registro de uniões poliafetivas. Dessa forma, a juíza negou o pedido formulado pelo oficial e reconheceu o termo de união entre os três homens como um negócio jurídico de efeitos privados.