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PGR contesta interpretação do STJ em caso Ternium X CSN; Gonet alerta para potencial instabilidade econômica

Reprodução: STF

jurinews.com.br

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A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF), na última sexta-feira (27), parecer favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.714. A ADI, protocolada pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), contesta a interpretação do artigo 254-A da Lei das Sociedades Anônimas feita pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no caso Ternium contra CSN.

O dispositivo trata da obrigatoriedade de realizar uma oferta pública de aquisição (OPA) em casos de alienação de controle societário – mecanismo conhecido como tag along, que dá a acionistas minoritários a oportunidade de se desfazer de sua participação em uma companhia quando há mudança de controle. Com a manifestação da PGR, o caso já está pronto para ser julgado. O ministro André Mendonça é o relator da ADI.

No pedido ao STF, a AEB argumenta que a recente interpretação do STJ sobre o tema é inconstitucional e “frontalmente divergente em relação àquela fixada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no exercício de sua competência”. Em junho de 2024, o STJ, em uma reviravolta, decidiu que a empresa italiana Ternium deve indenizar a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) por uma compra de ações da Usiminas em 2011. O valor da indenização é estimado em cerca de R$ 3,1 bilhões.

A Ternium comprou 27,7% do total do capital votante da Usiminas, entrando no bloco controlador. A CSN possuía 17,4% do capital da Usiminas. A CVM havia entendido que não houve alienação de controle, e, por isso, não haveria disparo do gatilho de tag along previsto no artigo 254-A – entendimento que foi refutado pelo STJ.

RISCO SISTÊMICO

Para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, a adoção da interpretação questionada enseja instabilidade à atuação econômica e à segurança jurídica, com o aumento de risco sistêmico ao funcionamento do mercado de capitais. “Até em prol da segurança jurídica, a interpretação do art. 254-A da LSA deve ser a que guarda deferência para com os entendimentos consolidados na normatização e nos precedentes administrativos da CVM“, afirmou Gonet.

Na avaliação do PGR, o posicionamento da entidade reguladora especializada, “a quem o legislador conferiu expressamente a prerrogativa técnico-jurídica de normatizar a matéria“, deve ser resguardado – “essa, afinal, é a linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal“.

No parecer, o PGR destaca que as advertências de órgãos técnicos levam em conta que a interpretação ampliativa adotada pelo STJ para o art. 254-A da LSA considera incidir a obrigação de OPA também na hipótese de o investidor adquirente de posição acionária minoritária vir, em momento futuro, a exercer alguma parcela de poder de direção em deliberações sociais.

De acordo com Gonet, a leitura de que incidem na obrigação de OPA as aquisições acionárias minoritárias por investidores que venham a ostentar parcela de controle societário acrescenta risco ao mercado de capitais. Isso porque impede a definição objetiva, líquida e certa do montante acionário a ser transacionado e obstrui a adequada formação de preço, vulnerando o direito fundamental de propriedade e impondo considerável gravame ao ambiente de transações com valores mobiliários.

O dever de realização de OPA seria excessivamente mais extenso e frequente. A título de exemplo, considerando-se suficiente para a incidência do art. 254-A da LSA a compra de posição acionária minoritária de 30% por sócio que frequente e influencie as deliberações societárias, esse agente poderia se ver compelido a ter de adquirir, via OPA, até 70% da parcela acionária remanescente com direito a voto“, ilustrou o procurador-geral da República.

Além da imprevisibilidade quanto ao preço e à definição do montante patrimonial da operação de alienação de ações, Gonet diz que a adoção desse critério para identificação da incidência de OPA poderia fazer com que o adquirente do controle minoritário viesse, logo depois, a perder tal posição tão-somente pela atuação mais assídua e influente de outro detentor de posição também minoritária.

Segundo Gonet, sem a estabilização prévia do objeto da transação econômica e de seu valor, a expressão financeira das prestações recíprocas a que se obrigam vendedor e comprador torna-se desconhecida, porque sujeita a implemento de contingências futuras e incertas. “O núcleo do direito de propriedade se vê atingido por inviabilizar, sem causa que o justifique, a faculdade da disposição da propriedade mobiliária“, destaca.

De acordo com a PGR, a interpretação da CVM, que foi ignorada na decisão do STJ, “funda-se em razões de ordem técnica e prestigia a segurança jurídica, a previsibilidade negocial e a estabilidade do mercado de capitais. Direciona-se a conferir uma maior objetividade e nitidez na caracterização da obrigação de realizar OPA, operação que onera substancialmente transações acionárias e que importa óbvia e apreciável interferência sobre a liberdade contratual, a livre concorrência e sobre faculdade ínsita ao direito fundamental de propriedade“.

Quanto ao cabimento da ação, diferentemente da interpretação dada pela Advocacia-Geral da União (AGU), a PGR considera que o caso pode ser julgado via ADI por possuir questão constitucional de elevado significado e transcendência. “A ação não se reduz a singelo sucedâneo recursal ou a instrumento de tutela de direitos e interesses subjetivamente restritos“. Embora tenha entendido de forma contrária ao cabimento da ação, a AGU, no mérito, opinou no mesmo sentido da PGR, de que a ruptura judicial com o entendimento administrativo previamente consolidado traria uma insegurança crítica para o cenário negocial.

A AEB, que ajuizou a ação, diz acreditar que a manifestação da PGR é “mais um importante passo na defesa da segurança do mercado de capitais” e que “após manifestações igualmente fortes da CVM e do Cade no âmbito da ADI, a PGR endossa a necessidade de posição técnica e previsibilidade das regras“.

A CSN, por sua vez, afirmou que “entende que os pareceres favoráveis emitidos pelo Senado e pela Casa Civil da Presidência da República reforçam o entendimento de que a disputa com a Ternium não envolve matéria constitucional. Essa posição também é respaldada pela Advocacia-Geral da União (AGU), cujo parecer aponta para o não conhecimento da ação. Todos esses documentos convergem no sentido de que a controvérsia se refere à interpretação de uma norma infraconstitucional, matéria que compete exclusivamente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ)“. A Ternium não se manifestou.

CSN X TERNIUM

Em 2023, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por 3 votos a 2, negou o recurso especial da CSN na disputa com a Ternium, confirmando o entendimento das outras instâncias e da CVM. No entanto, a disputa entre as duas siderúrgicas, que se arrasta há mais de uma década na Justiça, teve uma reviravolta em junho de 2024, quando o STJ julgou os embargos de declaração interpostos pela CSN.

Uma mudança de composição na turma que apreciou o caso – provocada pela morte do ministro Paulo de Tarso Sanseverino e pela declaração de impedimento de Marco Aurélio Bellizze, que havia votado no mérito – acabou por ser determinante. No primeiro julgamento, votaram os ministros Marco Aurélio Bellizze e Paulo de Tarso Sanseverino, ambos a favor da Ternium.

Os dois haviam acompanhado o voto-vencedor do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, para quem “o simples ingresso de terceiro no grupo controlador de sociedade anônima é insuficiente para, por si só, configurar a alienação de controle de que trata o art. 254-A da Lei 6.404/1976 [que prevê o tag along]. Especialmente, quando este terceiro, a partir de seu ingresso, não assume posição de maioria acionária dentro do grupo de controle, não exerce papel de preponderância na companhia, e se submete a acordo de acionistas no qual evidenciada a relação de paridade entre ele e os demais integrantes do grupo“.

No segundo julgamento, Bellizze não votou por se declarar impedido, e Sanseverino, que faleceu em 2023, foi substituído na Turma por Humberto Martins. Então, de um lado, ficaram os ministros Nancy Andrighi e Cueva, que inicialmente havia negado os embargos, mas reajustou o voto para que o processo retornasse à primeira instância para produção de provas.

Durante a sessão, o ministro Cueva demonstrou incômodo com o encaminhamento de uma reviravolta. “Há aqui votos que inusitadamente acolhem os embargos de declaração“, disse. “Esse é um caso de grande relevância. Há uma dupla conforme. Há a sentença de um juiz estadual paulista. Há um acórdão muito sólido do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Eu mantive o acórdão e agora há dois votos pelo acolhimento dos embargos“. Ao final, o ministro acabou acompanhando a ministra Nancy Andrighi, por ser o voto “que menos subverte” a conclusão anterior. “É uma questão de segurança jurídica, se há dúvida, vamos deixar que a primeira instância esclareça, faça a instrução“.

Do outro lado, os ministros Paulo Dias de Moura Ribeiro e Humberto Martins votaram por acolher os embargos com efeitos infringentes, ou seja, modificativos, e condenar a Ternium a pagar uma indenização bilionária por não ter feito a oferta pública de ações.

Diante do empate, o voto de minerva ficou a cargo do ministro convocado da 4ª Turma, Antônio Carlos Ferreira, que acompanhou Moura Ribeiro e Martins. “A avaliação puramente escritural é um dos elementos. É mais factível o que acontece na realidade. Um acionista minoritário pode ter o controle da empresa“, disse na leitura de seu voto.

Outra mudança relevante no acórdão foi em relação aos honorários advocatícios, que passaram a ser de 10% do valor do proveito econômico, ou seja, de aproximadamente R$ 500 milhões a serem pagos aos advogados da CSN, que é representada por diversos escritórios, como o Warde Advogados, Ernesto Tzirulnik Advocacia e pelo ex-ministro do STJ Cesar Asfor Rocha. Antes da reversão do mérito, os honorários de sucumbência tinham sido fixados em R$ 5,5 milhões, no caso a serem pagos aos defensores da Ternium.

A decisão foi reformada em dezembro, quando a 3ª Turma do STJ acolheu parcialmente os embargos de declaração apresentados no caso. O colegiado manteve a decisão, mas modulou os efeitos de julgados anteriores, alterando critérios para a apuração do valor indenizatório de estimados R$ 5,5 bilhões para cerca de R$ 3,1 bilhões. O valor dos honorários também foi reduzido de R$ 500 milhões para R$ 5 milhões.

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