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STF forma maioria para validar busca e apreensão extrajudicial, contanto que se garanta os direitos constitucionais

Reprodução: STF

jurinews.com.br

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O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para declarar a procedência parcial de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que contestavam trechos do Marco Legal das Garantias (Lei 14.711/2023). Em sessão plenária virtual, com encerramento previsto para esta segunda-feira (30), a Corte declarou a constitucionalidade de parte dos procedimentos extrajudiciais questionados, mas conferiu interpretação conforme à Constituição para garantir que as diligências de busca e apreensão assegurem os direitos e princípios constitucionais.

MECANISMOS EXTRAJUDICIAIS

As ações foram ajuizadas em 2024 pela União dos Oficiais de Justiça do Brasil (UniOficiais-Br), pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação Nacional dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais (Fenassojaf). As entidades questionaram trechos do Marco Legal das Garantias que criaram mecanismos extrajudiciais para a perda da posse e da propriedade de bens em casos de não quitação de dívida contratual.

Os dispositivos atacados criaram os seguintes mecanismos extrajudiciais para casos de não quitação de dívidas: consolidação da propriedade em alienação fiduciária de bens móveis, busca e apreensão extrajudicial, execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca e execução extrajudicial da garantia imobiliária em concurso de credores.

Para as entidades, o confisco de bens sem a análise prévia do Judiciário violaria os direitos à dignidade da pessoa humana, à propriedade, à intimidade e à vida privada. Além disso, desrespeitaria os princípios do devido processo legal, da ampla defesa, da reserva de jurisdição e o direito de ser processado pela autoridade competente.

VOTO DO RELATOR

O ministro Dias Toffoli votou pela procedência parcial das ações. Em relação à busca e apreensão extrajudicial, o magistrado sugeriu conferir interpretação conforme à Constituição para garantir que as diligências assegurem as garantias reivindicadas pelas autoras das ADIs.

Acompanharam o relator os ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Flávio Dino, André Mendonça e Edson Fachin.

Toffoli observou que os dispositivos questionados substituíram o artigo 29 do Decreto-Lei 70/1966, aproximando as regras do conteúdo da Lei 9.514/1997, ambas já validadas pela jurisprudência do STF. Para ele, as execuções extrajudiciais acompanham uma tendência global que busca desafogar os Judiciários para acelerar os trâmites processuais sem afetar a qualidade dos julgamentos. Citando o ministro Luiz Fux, Toffoli ressaltou que a Justiça continuará disponível para resolver eventuais controvérsias ou ilegalidades.

O STF reconheceu a constitucionalidade dos procedimentos executivos extrajudiciais previstos no Decreto-Lei 70/1966 e na Lei nº 9.514/1997, afastando as alegações de ofensa à inafastabilidade da jurisdição, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, tendo em vista que tais normas não obstam o acesso ao Poder Judiciário, bem como franqueiam ao devedor a possibilidade de se manifestar, inclusive purgando a mora, antes da consolidação da propriedade em nome do credor”, escreveu o relator.

Toffoli não encontrou problemas em três dos quatro mecanismos criados pela lei de 2023: consolidação da propriedade em alienação fiduciária de bens móveis, execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca e execução extrajudicial da garantia imobiliária em concurso de credores. No entanto, reconheceu a necessidade de adequação do texto no que diz respeito às diligências de busca e apreensão.

“A possibilidade de reapossamento extrajudicial de bem móvel dado em garantia é amplamente acolhida no direito internacional, o que se depreende da Lei Modelo da ONU sobre Garantias Mobiliárias e das recomendações do Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado (UNIDROIT). No entanto, percebe-se nessas diretrizes a tentativa de se fixarem limites para esse reapossamento”, argumentou. “Em suma, não pode haver resistência do devedor no momento da tentativa de retomada, sendo necessário acionar o Judiciário nessa hipótese. De fato, havendo resistência do devedor nesse momento, a insistência do credor ou do terceiro mandatário poderá implicar incursão mais incisiva na esfera pessoal e patrimonial do indivíduo, com risco de ofensa a sua integridade física, moral e patrimonial.”

Por fim, o ministro Toffoli sugeriu a seguinte tese:

  1. São constitucionais os procedimentos extrajudiciais instituídos pela Lei nº 14.711/23 de consolidação da propriedade em contratos de alienação fiduciária de bens móveis, de execução dos créditos garantidos por hipoteca e de execução da garantia imobiliária em concurso de credores.
  2. Nas diligências para a localização do bem móvel dado em garantia em alienação fiduciária e em sua apreensão, previstas nos §§ 4º, 5º e 7º do art. 8º-C do Decreto-Lei 911/69 (redação da Lei 14.711/2023), devem ser assegurados os direitos à vida privada, à honra e à imagem do devedor; a inviolabilidade do sigilo de dados; a vedação ao uso privado da violência; a inviolabilidade do domicílio; a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade.

DIVERGÊNCIA

A ministra Cármen Lúcia votou pela procedência integral das três ações, julgando inconstitucionais os dispositivos atacados. Para a magistrada, qualquer norma infraconstitucional que estabeleça procedimentos extrajudiciais de execução de crédito com busca e apreensão contraria o princípio da propriedade privada e a garantia à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, definidos nos artigos 170 e artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Ela citou, ainda, o inciso LIV do artigo 5º, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Cármen Lúcia reconheceu os precedentes citados por Toffoli, enfatizando que ficou vencida nas duas ocasiões. Lembrou, no entanto, o julgamento da ADI 1.668, onde o STF considerou inconstitucional trecho da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997) que permitia buscas e apreensões pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sem autorização judicial.

Recordou, por fim, o julgamento das ADIs 5.881, 5.886, 5.890, 5.925, 5.931 e 5.932, interpostas contra dispositivos da Lei 10.522/2002 que autorizavam a Fazenda a tornar indisponíveis os bens de devedores inscritos em dívida ativa durante a fase pré-executória. Naquele julgado, o tribunal também defendeu a reserva de jurisdição.

Na espécie vertente, as normas impugnadas, ao permitirem a busca, apreensão e alienação de bens de propriedade ou sob posse direta do devedor, por procedimento que tramita em serventia extrajudicial, sem submeter-se ao controle do Poder Judiciário, contrariaram a Constituição da República e, por isso, devem ser declaradas inconstitucionais”, concluiu.

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