Nesta semana, a Justiça do Trabalho de Mato Grosso proferiu uma decisão impactante contra a gigante multinacional de alimentos BRF. A empresa foi condenada a indenizar uma funcionária que, em abril de 2024, entrou em trabalho de parto nas dependências da companhia.
A trabalhadora teve seu pedido para buscar atendimento médico negado e, tragicamente, deu à luz suas filhas gêmeas na própria sede da BRF. Infelizmente, as bebês não sobreviveram. O caso chocante resultou na condenação da empresa, que agora enfrentará as consequências da sua decisão de reter o socorro à funcionária em um momento tão crítico.
A empresa foi sentenciada a pagar R$ 150 mil por danos morais à funcionária, conforme decisão da 2ª Vara do Trabalho de Lucas do Rio Verde. O juiz Fernando Galisteu também ordenou que a empresa quite todas as verbas rescisórias devidas, incluindo aviso prévio, 13º salário, férias e FGTS com a multa de 40%. Além disso, a BRF deve garantir que a trabalhadora tenha acesso ao seguro-desemprego.
ENTENDA O CASO
Em abril de 2024, a funcionária que é uma mulher negra de 32 anos venezuelana residente no Brasil, estava empregada em um frigorífico da BRF em Lucas do Rio Verde. Grávida de oito meses, ela começou a sentir as dores do trabalho de parto por volta das 3h40 da madrugada, enquanto estava em serviço. Ao procurar a gerência da unidade para pedir permissão para buscar atendimento médico, teve seu pedido negado.
O Tribunal ressaltou, em sua decisão, que a funcionária foi impedida de procurar auxílio médico para o parto, um ponto crucial para a condenação da empresa.
“Com dores intensas, ânsia de vômito, tontura e falta de ar, ela buscou socorro junto à sua líder imediata e ao supervisor. Mesmo após insistentes pedidos, foi impedida de deixar o setor [em que trabalhava] devido ao funcionamento da linha de produção”, diz trecho da decisão.
Mesmo com o aumento das dores, a trabalhadora permaneceu em seu posto. Ao pedir permissão para sair novamente, foi mais uma vez impedida. Diante da recusa, ela tomou a decisão de deixar o expediente por conta própria para procurar um hospital.
Contudo, enquanto aguardava o ônibus em um ponto em frente à empresa, sua bolsa rompeu, forçando-a a ter o parto ali mesmo, nas instalações da BRF. Tragicamente, a primeira filha faleceu logo após o nascimento, por volta das 6h30. A segunda bebê veio ao mundo minutos depois, mas também não resistiu no local.
O QUE DIZ A EMPRESA
A BRF negou qualquer negligência em relação à trabalhadora, defendendo que não houve impedimento para ela deixar o local de trabalho e procurar auxílio médico. Nos registros do processo, a companhia argumentou que a gestação da funcionária não era de risco e que ela teria, supostamente, rejeitado a assistência médica oferecida internamente pela empresa. Contudo, a Justiça rejeitou veementemente essa alegação.
Para o juiz Fernando Galiste, “não parece ser crível supor que a trabalhadora nas condições debilitadas em que estava, e no oitavo mês de gestação de gêmeas, se negaria a ir ao centro médico da ré, como pretende a defesa da empresa”.
A empresa ainda tentou justificar que o parto teria ocorrido fora das suas instalações. No entanto, essa afirmação foi refutada por filmagens das próprias câmeras de segurança da BRF, que comprovaram que a mulher deu à luz suas filhas dentro do perímetro do frigorífico.
A versão da venezuelana foi confirmada pelos depoimentos colhidos durante a investigação. A decisão judicial revelou que, apesar de seus pedidos de ajuda, a funcionária foi impedida de acessar o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) da BRF. Uma técnica de saúde da empresa testemunhou que não foi acionada para o ocorrido, e o enfermeiro responsável pela área médica da unidade corroborou que os protocolos internos não foram seguidos.
O juiz foi enfático ao declarar que a BRF agiu com “omissão e negligência” por não ter providenciado atendimento médico com a urgência exigida. A sentença ainda destaca que a funcionária não recebeu a assistência médica necessária por parte da estrutura da empresa, sendo submetida a um “sofrimento e humilhação inegáveis”.
A Justiça do Trabalho também decretou a rescisão indireta do contrato de trabalho entre a funcionária e a empresa. Para o juiz, “a grave e injustificável omissão da ré é suficiente para tornar insuportável a manutenção do vínculo [empregatício], caracterizando a justa causa patronal”, adicionalmente, a Justiça estabeleceu que a BRF deve quitar todas as verbas rescisórias da funcionária venezuelana, calculadas com base no seu período de serviço na companhia, que teve início em 2023.
BRF recorreu da decisão judicial, mas disse que instaurou procedimento interno para apurar o ocorrido. “A companhia destaca que instaurou um comitê multidisciplinar para apurar e revisitar o caso específico. Sobre a ação jurídica em curso, a companhia não comenta processos em andamento”, afirmaram.