A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o pagamento substancial de uma dívida, mesmo que as parcelas restantes estejam prescritas, não garante a transferência compulsória da propriedade de um imóvel.
Essa foi a conclusão ao negar o recurso especial de um casal. Eles haviam quitado 81,7% do valor de um imóvel e mantiveram a posse do bem até a prescrição das parcelas restantes, mas ainda assim não terão a propriedade transferida via adjudicação compulsória.
Um casal buscou judicialmente o reconhecimento da prescrição de sua dívida e, consequentemente, a adjudicação compulsória do imóvel. Essa ação tem como objetivo forçar o vendedor a outorgar a escritura definitiva do bem ao comprador.
Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou o pleito. O fundamento para a negativa foi que a quitação integral do preço estabelecido no compromisso de compra e venda representa um requisito indispensável para a procedência da adjudicação compulsória.
O tribunal de São Paulo ressaltou que, mesmo declarada a prescrição para a cobrança das parcelas remanescentes do financiamento, a responsabilidade pelo pagamento do débito permanece existente.
QUITAÇÃO TOTAL COMO PRÉ-REQUISITO
O casal recorreu ao STJ, buscando a aplicação da teoria do adimplemento substancial. Essa teoria, em essência, impede a rescisão de um contrato quando a maior parte das obrigações já foi cumprida, mesmo que haja algum nível de inadimplência que, em outras circunstâncias, justificaria a rescisão.
No entanto, a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, foi clara em sua explicação: a quitação total da dívida é uma condição indispensável para a ação de adjudicação compulsória. Ela enfatizou que nem a prescrição das parcelas restantes nem a aplicação do adimplemento substancial são suficientes para cumprir esse requisito.
A ministra explicou que a prescrição, que ocorre após cinco anos sem a cobrança de dívidas líquidas registradas em instrumento particular, não afeta a obrigação de pagar os valores devidos. Ela apenas impede que o credor os cobre judicialmente.
Quanto ao pagamento de 80% da dívida por parte do casal, embora esse percentual pudesse ser usado para evitar a rescisão do contrato, ele não anula o fato de que o comprador não quitou a totalidade do preço acordado.
“A teoria do adimplemento substancial é inaplicável à adjudicação compulsória, que exige a quitação integral do preço, ainda que tenha ocorrido a prescrição das parcelas que perfazem o saldo devedor”, afirmou a ministra.
CONSEQUÊNCIAS PREJUDICIAIS E CAMINHOS A SEGUIR
A ministra fez ainda uma ressalva importante: aplicar a teoria do adimplemento substancial em casos de adjudicação compulsória poderia ter um efeito prejudicial. Isso porque tal medida incentivaria os compradores a não quitarem as últimas parcelas do contrato, sabendo que a regularização do imóvel não dependeria desse pagamento final.
“Essa possibilidade é evidentemente incompatível com a boa-fé contratual”, afirmou Andrighi. Ela ainda apontou que o casal tem dois caminhos possíveis para obter a outorga definitiva da escritura:
- A celebração de acordo com o promitente vendedor, de tal modo que ele se proponha à outorga da escritura definitiva;
- O ajuizamento de ação de usucapião, se estiverem presentes os requisitos legalmente exigidos para o reconhecimento da prescrição aquisitiva.