Uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelou que 27% dos magistrados e 31% dos servidores usam ferramentas de inteligência artificial (IA) generativa em suas atividades profissionais. Embora esses números sejam significativos, mais de 70% dos participantes em ambos os grupos afirmaram que utilizam essas ferramentas “raramente” ou “eventualmente”. Os dados fazem parte do estudo O uso da Inteligência Artificial Generativa no Poder Judiciário, apresentado em audiência pública na sede do CNJ, em Brasília, no dia 25 de setembro.
Durante a abertura do evento, os pesquisadores Olívia Gomes Pessoa, do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ), e Juliano Maranhão, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), destacaram que a pesquisa envolveu respostas de 1.681 magistrados e 16.844 servidores. Embora não tenha sido utilizada uma técnica de amostragem, o levantamento fornece informações importantes para a formulação de políticas judiciárias.
Ferramentas utilizadas
O ChatGPT, da OpenAI, é a ferramenta mais popular entre os respondentes, com 96% dos magistrados e 94% dos servidores relatando seu uso. Outras ferramentas como o Copilot, da Microsoft, e o Gemini, do Google, também se destacam. O uso de versões livres ou abertas é predominante, o que, segundo os pesquisadores, pode gerar preocupações quanto à precisão das informações geradas. Juliano Maranhão alertou que “essas ferramentas podem conter imprecisões e erros, e o seu resultado é indiscernível do produzido por humanos”, ressaltando a importância de procedimentos de revisão e transparência no uso dessas tecnologias.
Interesse e aplicações da IA
Apesar da utilização ainda considerada baixa, a pesquisa identificou um interesse crescente entre aqueles que não utilizam a IA. A maioria dos respondentes acredita que a IA generativa pode ser útil para apoiar atividades judiciais, especialmente em tarefas que envolvem tecnologia da informação, estatística e análise de dados. Além disso, 67,8% dos magistrados e 59% dos servidores consideraram que a IA seria adequada para busca de jurisprudência.
Contudo, quando questionados sobre a transparência nas atividades judiciais, 83% dos servidores admitiram que não informam sobre o uso da IA no trabalho. Em contraste, pouco mais de 62% dos magistrados disseram incentivar a adoção de IA em seus gabinetes. Juliano Maranhão destacou que a comunicação e o diálogo sobre o uso da IA são essenciais para implementar mecanismos de revisão adequados, a fim de mitigar eventuais falhas.
Capacitação e formação
Outro aspecto relevante apontado pela pesquisa foi a demanda por treinamento e capacitação na área de inteligência artificial. A falta de familiaridade com a tecnologia foi identificada como uma das principais dificuldades enfrentadas pelos magistrados e servidores, o que indica um espaço significativo para desenvolvimento e educação sobre o tema.
Regulamentação da IA no Judiciário
A audiência pública sobre Inteligência Artificial no Poder Judiciário, que continua até o dia 27 de setembro, contará com a participação de especialistas e representantes de instituições na regulamentação do uso de sistemas de IA generativa baseados em grandes modelos de linguagem. O objetivo é discutir uma minuta de ato normativo que regulamente essas ferramentas no Judiciário.
Luiz Fernando Bandeira de Mello, conselheiro do CNJ e coordenador do Grupo de Trabalho sobre Inteligência Artificial, destacou que a audiência visa garantir transparência sobre a regulamentação proposta, permitindo que a comunidade interessada contribua para a discussão. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ricardo Villas Bôas Cueva, reforçou a necessidade de atualizar a Resolução CNJ n. 332, de 2020, que trata da ética, transparência e governança no uso de IA no Judiciário. Ele enfatizou que “isso certamente contribuirá para aumentar a eficiência da prestação jurisdicional, reduzir as simetrias informacionais e garantir mais equidade e isonomia nos julgamentos”.
A audiência também contou com a presença de outros representantes, incluindo desembargadores e membros da OAB, que discutiram os desafios e oportunidades que a inteligência artificial apresenta para o sistema judiciário.