O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por meio da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, decidiu anular uma sentença arbitral após concluir que o árbitro-presidente falhou em cumprir o dever de revelação de suas interações profissionais com advogados da parte favorecida no procedimento arbitral. A decisão, relatada pelo desembargador Grava Brazil, foi tomada com base na constatação de que essas relações comprometeram a imparcialidade e a independência do árbitro, requisitos essenciais para a validade de uma sentença arbitral.
O cerne da discussão envolveu o artigo 14, §1º, da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), que impõe ao árbitro a obrigação de revelar, desde o início do procedimento e durante seu curso, qualquer fato que possa gerar dúvida justificável quanto à sua imparcialidade. No caso em análise, o árbitro-presidente não revelou interações profissionais passadas e contemporâneas com o escritório de advocacia que representava a parte favorecida, criando um ambiente de desconfiança.
De acordo com a decisão, “a não revelação, no momento oportuno, de interações profissionais contemporâneas e habituais entre o árbitro-presidente e os advogados da contraparte compromete, sem o consentimento informado e de modo objetivo, a equidistância do árbitro”, conforme destacou o desembargador Grava Brazil em seu voto. A assimetria de informações entre as partes foi decisiva para o reconhecimento da nulidade da sentença arbitral.
Além disso, o relator sublinhou que o valor dos serviços prestados pelo árbitro, na condição de parecerista, durante o curso do procedimento arbitral, não foi o ponto central da controvérsia. “A relevância aqui é a ausência de revelação desses vínculos e o impacto que essa omissão teve na confiança das partes no procedimento”, frisou. A remuneração pelos serviços de parecerista, embora significativa, foi considerada irrelevante diante da falta de transparência em relação à sua existência.
O TJ-SP também afastou a tese apresentada pela parte favorecida, de que a notoriedade do árbitro como parecerista seria suficiente para presumir que a outra parte tinha ciência de suas interações profissionais com os advogados. A decisão pontuou que tal argumento não se sustenta, pois “não há como a parte recorrente inferir, de forma implícita, o vínculo entre o árbitro e os advogados da contraparte”. A decisão recriminou, ainda, a postura do árbitro-presidente ao decidir unilateralmente sobre o que deveria ou não ser revelado, reforçando a necessidade de uma conduta clara e objetiva quando se trata da revelação de fatos potencialmente comprometedores.
O desembargador Grava Brazil também trouxe à discussão precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual o ministro Humberto Martins, no julgamento do REsp 2.101.901, defendeu a necessidade de “máxima transparência” por parte dos árbitros, de forma que qualquer dado que possa gerar dúvidas sobre a imparcialidade do julgador deve ser devidamente revelado. Esse princípio foi reiterado na análise do caso em questão, considerando que a falta de revelação de vínculos contemporâneos entre o árbitro e os advogados da parte favorecida abalou a confiança no processo arbitral.
O acórdão também analisou a questão do sigilo envolvido na obtenção de documentos utilizados no procedimento judicial. O magistrado de primeira instância havia determinado o desentranhamento desses documentos, sob o argumento de que se tratavam de informações sigilosas provenientes de outra arbitragem. No entanto, o TJ-SP reverteu essa decisão, aplicando o princípio da proporcionalidade, ao entender que a relevância dos documentos superava a questão do sigilo, principalmente diante da gravidade das alegações e do impacto dos fatos omitidos pelo árbitro-presidente.
Assim, o Tribunal concluiu que a anulação da sentença arbitral era a única medida cabível, dada a quebra da confiança entre as partes e a violação do dever de revelação por parte do árbitro. A decisão reflete o entendimento de que a transparência e a equidistância são pilares fundamentais para a validade dos procedimentos arbitrais, reforçando a necessidade de rigor na aplicação das normas que garantem a imparcialidade dos julgadores.
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