No Brasil existe, em média, uma ação judicial para cada 227 passageiros transportados no ano de 2019. São oito processos a cada 100 voos, conforme os dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) e do Instituto Brasileiro de Direito Aeronáutico (Ibaer) divulgados durante o webinário “Setor Aéreo Brasileiro: caminhos para a redução da litigiosidade”, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“A judicialização é um fato. Nem bom nem ruim. Há que se estudar e entender suas causas. Muito se atribui à Constituição, que amplia o elenco de direitos fundamentais e garante o acesso à Justiça, mas é preciso encontrar alternativas ao volume de demandas”, defendeu o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Werson Rêgo durante a apresentação do painel “O dano moral em atrasos/cancelamentos decorrentes de força maior ou caso fortuito e litígios de massa no setor aéreo”.
Para o magistrado, “não há como vilanizar nenhum dos lados. Há que se respeitar a boa fé e o equilíbrio econômico-financeiro da relação, permitindo-se que ambas as partes retirem o melhor proveito de um contrato de consumo”.
De acordo com o juiz auxiliar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Alexandre Chini, algumas particularidades fazem com que a litigiosidade brasileira seja grande quando comparada a outros países, como os Estados Unidos.
“Nosso acesso à justiça é muito mais democrático e com possibilidade de ausência de custas, a formação de jurisprudência admitindo indenização por danos morais em situações inerentes ao transporte aéreo, e a reiterada negativa pelos tribunais nacionais de internalizarem as normas internacionais”, explicou.
Na opinião de Chini, a aviação civil brasileira é muito eficiente, inclusive mais eficiente do que a norte-americana. No entanto, não se deve atribuir a responsabilidade ao passageiro brasileiro por ele judicializar mais. “Existe um compromisso e uma expectativa. Quando não são cumpridos, o consumidor vai buscar uma reparação na Justiça, instituição na qual ele confia”, disse.
O mesmo alerta foi reforçado pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) Marco Aurélio Bezerra de Melo. “Não vejo no Brasil decisões aplicando dano moral punitivo. Vejo danos morais até com valores insignificantes em comparação à situação vivenciada pelo consumidor. O caso da semana passada, da mãe da criança autista que foi expulsa do voo, foi um horror”, lembrou.
Por outro lado, o magistrado elogiou a postura da companhia aérea que, no dia seguinte, lançou um comunicado com orientações de como tratar passageiros especiais, como autistas. “A falta de informação da equipe também configura um vício”, completou.
Representando as companhias aéreas, o advogado e diretor jurídico da Latam Airlines Brasil e representante da Associação Brasileira das Empresas Aéreas, Bruno Bartijotto, lamentou que haja uma desproporção entre o número de passageiros e o número de processos judiciais.
“As empresas aéreas são as menos interessadas no cancelamento, atraso ou desvio de vôos. Isso traz custos adicionais com aeroportos, apoio, funcionários. Não há nenhum ganho com isso para as empresas”, destacou.
Bartijotto contou que as companhias aéreas gastam cerca de R$ 800 milhões por ano com ações judiciais e 80% desse valor se refere a danos morais. “O argumento de ‘força maior’ não é aceito na maioria das regiões do Brasil, mas o nosso principal princípio é a segurança do passageiro”, ressaltou.
“O Brasil passou por um processo de luta pela cidadania, o que fez aumentar a judicialização. Hoje é preciso desenvolver mecanismos extrajudiciais, de conciliação, para resolver os conflitos”, disse o professor Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ) Gustavo Tepedino. Na opinião do acadêmico, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi uma resposta civil a uma série de injustiças cometidas contra o consumidor.
Com informações do CNJ