A sociedade brasileira ainda enfrenta um mal enraizado por cantos e recantos de estados e municípios da federação: o racismo. Essa prática criminosa, discriminatória e preconceituosa é baseada na crença de que, certas raças ou etnias são inerentemente, superiores ou inferiores a outras. Uma ideologia que se manifesta de várias maneiras, incluindo atitudes pessoais, políticas institucionais e estruturas sociais, que perpetuam a desigualdade racial e social.
No ano passado, a injúria racial foi equiparada a crime de racismo. De acordo com a Lei 14.532/2023 o período da pena é de dois a cinco anos de reclusão. Enquanto o racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria é direcionada ao indivíduo. Em novembro do ano passado, o Tribunal de Justiça da Paraíba, por meio da Resolução nº 36/2023, criou o Comitê Permanente de Promoção de Equidade Racial, coordenado pela vice-presidente do TJ-PB, desembargadora Maria das Graças Morais Guedes.
Sempre atualizado e presente ao enfrentamento do racismo “o Comitê monitora ações afirmativas relativas à promoção de equidade racial no âmbito institucional, além implementar programas de ações afirmativas destinados a combater as desigualdades étnico-raciais, no tocante ao acesso à Justiça e incentivar a produção e a veiculação de campanhas institucionais e judiciárias destinadas à divulgação da temática étnico-racial, dentre outros”, comentou a desembargadora, ao lembrar que essas são algumas das principais missões do Comitê.
De acordo com a pesquisa ‘Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil’, os povos quilombolas, indígenas e negros são os que mais sofrem com o preconceito étnico. Os dados mostram que, o cenário de desigualdades e de violências, historicamente praticadas contra as comunidades quilombolas brasileiras foi agravado nos últimos anos. A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) identificou assassinatos e prática de racismo registrados nos quilombos, entre os anos de 2018 e 2022. No quinquênio analisado foram mapeados 32 assassinatos, com registro de casos em 11 estados e todas as regiões do país.
No Brasil, os quilombos surgiram como uma resposta direta à brutalidade do sistema escravista. Na Paraíba e em outras partes do país, os escravizados fugiam das fazendas e engenhos em busca de refúgio nas matas e nas serras. Líderes quilombolas afirmam que esses locais ofereciam proteção natural contra os perseguidores, permitindo que os quilombolas criassem comunidades autossustentáveis. Hoje, os descendentes dos quilombolas, na Paraíba, continuam a lutar por reconhecimento e direitos sobre as terras que ocuparam.
Lutando pelo Quilombo – Segundo os dados do ‘Censo Demográfico 2022 – Quilombolas’, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Paraíba é o Estado do Nordeste que apresenta o menor número de quilombolas, com um contingente de 6.584 pessoas. Foi a primeira vez que um levantamento censitário brasileiro identificou os quilombolas, enquanto grupo étnico. Em João Pessoa, segundo Joseane Santos, são cerca de 1.000 quilombolas.
No País, o Censo do IBGE revela que existe uma população quilombola de 905.415 pessoas.Na Região Sul de João Pessoa, Capital paraibana, mais precisamente no Bairro Paratibe, existe a Associação da Comunidade Negra de Paratibe – ‘Lutando Pelo Quilombo’. Em uma área urbana de 267 hectares, moram 660 pessoas, entre crianças, jovens, adultos e idosos, distribuídos em 170 famílias. Esse grupo, assim como 85% das comunidades quilombolas do Brasil, tem como líder uma mulher, Joseane Santos, de 48 anos de idade, agente de Saúde da Prefeitura Municipal de João Pessoa, artesã, casada e mãe de um rapaz de 17 anos de idade.
Racismo na escola – Segundo Joseane, o racismo ainda é muito forte e está presente, sobretudo, no ambiente educacional. “Muitas crianças deixaram de ir à escola, por serem vítimas do racismo, muitas vezes, devido aos seus cabelos afro. Com base neste fato, desenvolvemos uma parceria com a escola para combater esse crime contra nossos jovens e crianças. Também passamos a denunciar os criminosos”, informou. A líder quilombola informou que a Secretaria Estadual da Mulher e Diversidade Humana e o Ministério Público têm dado um apoio nesses processos de identificação de casos de racismo e como podem ser feitas as denúncias.
“A todo o momento, a gente passa por essa situação, inclusive minha irmã está sofrendo racismo praticado por colegas de trabalho. Ela é funcionária de uma escola pública de Paratibe e é obrigada a ouvir que é macumbeira. Quando ela vai de turbante, essas pessoas mandam ela tirar. Hoje, essa escola atende à comunidade quilombola. Precisamos calar esses criminosos. Somos negros e temos o direito de estarmos na sociedade, como qualquer outra pessoa”, destacou Joseane Santos.
Os quilombolas na Paraíba têm uma história rica e complexa, refletindo a resistência e a luta dos afro-brasileiros contra a escravidão e a opressão. Os quilombos eram comunidades formadas por escravizados fugitivos que procuravam liberdade e um modo de vida autônomo, longe do controle dos senhores de escravos. No Estado, existem 49 comunidades quilombolas, espalhadas por todas as regiões da Paraíba. Isabele Ramos, 25 anos, praticamente nasceu e mora no Quilombo Associação da Comunidade Negra de Paratibe. Ela lembra que seu primeiro contato com o racismo aconteceu ainda aos seis anos de idade.
“Logo que entrei na escola, fui chamada de ‘macaca’. Eu nem sabia o que era racismo e para mim foi um choque, ser comparada com uma macaca. Em outra oportunidade, fui chamada de ‘cabelo de bucha’. Também fui chamada de ‘pão queimado’ e várias outras comparações idiotas. Acabei criando medo de ir à escola. Só depois de conversar em casa e na comunidade, tomei coragem e encarei aquele ambiente, que para mim era hostil. Hoje, enfrento o racismo e sei que posso denunciar”, relembra Isabele, com posicionamento empoderado. Hoje, ela é formada como técnica de enfermagem e, atualmente, trabalha em uma pizzaria em João Pessoa.
Herança Cultural – As comunidades quilombolas na Paraíba preservam uma rica herança cultural, que inclui práticas religiosas afro-brasileiras, tradições orais, culinária, música e dança. Essas expressões culturais são fundamentais para a identidade quilombola e têm sido um meio de resistência e afirmação da sua história e direitos. Apesar dos avanços legais, os quilombolas enfrentam diversos desafios, como a regularização fundiária, acesso a serviços básicos, educação e saúde, além do combate ao racismo e à discriminação. A luta pela titulação de terras quilombolas é um processo lento e muitas vezes conflituoso, mas essencial para a garantia dos direitos dessas comunidades.
Com informações do TJ-PB