O Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade, na tarde desta segunda-feira (10), à audiência pública sobre a regulamentação do uso de ferramentas de monitoramento secreto de aparelhos de comunicação pessoal. A audiência foi convocada pelo ministro Cristiano Zanin, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1143, e prosseguirá amanhã (11).
Na ADPF, o STF vai analisar se há violação de preceitos fundamentais no uso dessas ferramentas e, em caso positivo, decidir como superar esse cenário.
Organizações criminosas
Sauvei Lai, da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, chamou a atenção para o uso, por organizações criminosas, de técnicas que dificultam investigações, como sistemas próprios de comunicação e com criptografia ponta a ponta. Segundo ele, a prática evidencia a necessidade de ferramentas mais eficazes na investigação em ambiente digital.
Devassa
Em nome do Partido Verde, Lauro de Moraes Rêgo Júnior frisou que o sistema de monitoramento precisa estar voltado ao interesse público, para que não se transforme em instrumento de busca generalizada e devassa indiscriminada.
Nesse sentido, para o servidor público e especialista em inteligência artificial João Felipe Ataíde da Cunha Rêgo, o uso desses programas por órgãos públicos requer uma regulamentação cuidadosa. “Nas mãos de pessoas que não têm a intencionalidade correta, será algo devastador”, disse.
Limitações
Já Vinicius Vasconcellos, do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (IBRASPP) e da Revista Brasileira de Direito Processual Penal, propôs que, caso as ferramentas de monitoramento sejam consideradas legítimas, algumas limitações devem ser observadas, como o prévio controle judicial.
Evolução legislativa
Em nome da Escola Brasileira de Direito (Ebradi), Renato Opice Blum defendeu a necessidade de uma evolução legislativa dinâmica sobre o tema, diante da rapidez da própria evolução tecnológica. Por esse motivo, a sociedade, os órgãos de persecução penal e mesmo o Judiciário têm mais dificuldade de identificar a origem dos dados e se eles são acessíveis, abertos ou fechados ou legítimos.
Falando em nome do Conselho Consultivo de Alto Nível da ONU para Inteligência Artificial, Estela Aranha chamou a atenção para projetos de lei que preveem o uso de spyware por forças policiais no país. Em seu entendimento, esse acesso indiscriminado representa “um risco imenso e irreversível”, uma vez que muitas ferramentas não podem ser rastreadas ou controladas.
Empresas
O representante do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Conexis Brasil), André Cyrino, sustentou que as empresas não trabalham para espionar ou flexibilizar a privacidade de seus usuários, mas para resguardar o sigilo e a segurança das comunicações. Ele defendeu que as soluções a serem definidas não devem apresentar riscos aos serviços de telecomunicações e ao Estado de Direito.
Fiscalização
André Ramiro, pesquisador da Digital Civil Society Lab, da Universidade de Stanford (EUA), defendeu a atualização da proteção de direitos constitucionais para indivíduos potencialmente afetados pelas ferramentas de monitoramento digital. A seu ver, é fundamental um sistema de fiscalização desses expedientes que seja “especializado e suficientemente democrático”.
Personalidade
Representando o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Carina Quito e Carlos Hélder Furtado Mendes defenderam que o assunto seja debatido no Congresso Nacional. “É o espaço institucional adequado para a discussão. O momento não é de pressa, mas de extrema cautela”, disse Carina. Mendes sustentou que, antes de usar essas ferramentas, o Estado “precisa entender que os dados são fragmentos da personalidade do sujeito”.
Ausência de lei
Larah Brahim, do Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais da Universidade de São Paulo (USP), disse que, na ausência de lei, a administração pública não deve usar esse tipo de ferramenta. A seu ver, essa forma de investigação criminal é “uma ilegalidade e uma afronta à Constituição Federal”. Para Giovanni Diniz, também da USP, a ação estatal de invadir dispositivos pessoais “é um ato penal relevante e ilícito”.
Investigações criminais
Alexandre Pacheco da Silva, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirmou que, embora investigações criminais possam permitir acesso a dados pessoais de cidadãos, as intervenções devem ser acompanhadas de um objetivo claro e definido para garantir o direito constitucional à privacidade.
Para Heloisa Estellita, também docente da FGV, ainda que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) tenha excluído a incidência da proteção de dados para fins penais, essa exceção não criou uma “área livre de atuação para autoridades públicas”. Para ela, enquanto não houver uma “LGPD penal”, para regulamentar as condições de acesso, não há infraestrutura legal que autorize a utilização de ferramentas de monitoramento secreto.
Jornalistas
O representante da Universidade Federal de Rondônia, Vinicius Valentin Miguel, ressaltou que os softwares mais modernos de monitoramento permitem uma devassa sem precedentes e podem ter efeitos intimidatórios significativos, sobretudo contra jornalistas, no que se refere a resguardar a identidade de suas fontes.
A advogada Charlene Nagae, que falou pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e pelas organizações Tornavoz e Media Defense, também destacou os riscos do uso dessas ferramentas para o trabalho da imprensa. Charlene lembrou relatos de jornalistas que foram alvo de perseguições em países como México, El Salvador e Azerbaijão. “Se tivermos o uso autorizado desses softwares, vamos enfrentar uma situação que corre o risco de afetar a liberdade de expressão e a atividade jornalística”, disse.