A decisão sobre a “revisão da vida toda” no Supremo Tribunal Federal (STF) pode ganhar um novo desfecho positivo para os aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Isso porque a corte aprovou na última quinta-feira (9/6) uma alteração em um procedimento que, na prática, impede a atuação dos ministros mais novos em determinados processos.
A mudança permite que votos de ministros aposentados que foram proferidos no Plenário Virtual sejam aproveitados quando aquela ação for levada para o Plenário presencial. A migração do processo ocorre quando há um pedido de destaque. Até então, nessas situações, o julgamento era reiniciado, e os votos dos ministros aposentados se perdiam. Com isso, havendo pedido de destaque, os novos ministros passavam a integrar as discussões.
Ou seja, agora, os julgamentos que já haviam iniciado no Plenário Virtual, e que já contavam com os votos dos ministros que se aposentaram, permanecerão com esses posicionamentos mesmo após um pedido de destaque.
A mudança foi aprovada por oitos votos a um pelo Plenário do Supremo e foi proposta pelo ministro Alexandre de Moraes. O único contrário foi o ministro André Mendonça.
O pano de fundo para essa alteração foi o julgamento da “revisão da vida toda”. Importante lembrar que no último mês de março, faltando poucos minutos para o final do julgamento que ocorria no Plenário Virtual, o ministro Nunes Marques, que tinha votado contra a revisão, pediu destaque.
Todos os magistrados já tinham se manifestado, e o placar estava em 6 a 5 a favor dos segurados — contra o governo. Com a migração para o plenário físico, o voto do ministro Marco Aurélio Mello, que se aposentou, se perderia e André Mendonça votaria no lugar dele. A migração casou uma reviravolta que beneficiou um pedido do governo de Jair Bolsonaro. Portanto, essa manobra agora está obstruída.
Agora, com a nova diretriz do Supremo, vale frisar que os julgamentos já iniciados no Plenário Virtual, e que já contavam com os votos dos ministros que se aposentaram, permanecerão com esses posicionamentos mesmo após um pedido de destaque.
Essa positiva mudança é extremamente importante no cenário da “revisão da vida toda”, já que Nunes Marques pediu destaque após todos os 11 magistrados terem opinado. O primeiro ministro do Supremo indicado pelo presidente Bolsonaro conseguiu levar o caso para o plenário físico, o que permitiria a mudança de voto do ministro aposentado Marco Aurélio e que poderia favorecer o governo, que se posicionou contra a decisão do STF.
Sem dúvidas, essa nova alteração de procedimento do Supremo traz uma maior segurança jurídica para os demais processos em andamento. Evita que o pedido de destaque se torne uma arma perigosa, onde um ministro pode vetar a decisão de outros seis ou mais, e aguardar nova formação do colegiado para lhe garantir a vitória. Será mais um obstáculo para que ele seja utilizado de maneira estratégica, possibilitando vetar uma decisão que se mostra consolidada, como foi o caso da “revisão da vida toda”, em que todos os votos já estavam disponíveis e publicados.
Imperioso destacar que a “revisão da vida toda” teve seu regular andamento em Plenário Virtual, e corrigiu uma injustiça com o aposentado, aplicando o seu entendimento principiológico de que “jamais uma regra de transição pode ser mais desfavorável que uma regra permanente”. Este já era o posicionamento da Corte em Plenário presencial, onde merece destaque o trecho do RE 524.189, com relatoria do saudoso ministro Teori Zavascki, julgado de forma unânime:
“As regras de transição editadas pelo constituinte derivado, são na verdade mais gravosas que a regra geral inserida na EC 20 de 1998”. E continua: “a própria regra de transição da aposentadoria proporcional, por absurdo, continha requisitos não previstos no texto legal do que a aposentadoria integral”.
O tribunal sempre enxergou como um absurdo tal ocorrência, e possui extenso conhecimento sobre a matéria, entendendo que as regras de transição devem abrandar efeitos, nunca trazer prejuízos ao segurado. Encontramos até mesmo na exposição de motivos do projeto da Lei 9.876/99 que a regra transitória esculpida pelo artigo 3º teria a função teleológica de favorecer o segurado já filiado ao INSS antes da sua vigência.
Este anseio se encontra em evidente harmonia com a finalidade típica das normas de transição trazidas pelas modificações previdenciárias de 1999, que possuem por finalidade trazer segurança jurídica para as relações. O STF havia cumprido o papel de aplicar corretamente o desejo do legislador, tornando mais branda a transição de uma legislação mais austera para o segurado que já estava por décadas pagando para aposentar-se.
E mais uma vez a “revisão da vida toda” foi um marco importante, pois colocou seus holofotes na problemática trazida pelos pedidos de destaque no plenário virtual, demonstrando que este instrumento precisava de regulamentação, para não ser um perigoso mecanismo infralegal que possibilite o desprezo as decisões da maioria da Corte Superior. A função do colegiado é promover o dissenso, a divergência e a contradição, onde a vontade da maioria deve sempre prevalecer, mesmo que um ministro seja divergente a ela. E, agora, parece que esse será o caminho.
João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.