De modo cíclico, o mercado sofre mudanças constantes. A tecnologia e a regulação dos Estados são causas de alterações sistemáticas na forma de condução de atividades econômicas. As empresas são forçadas, a todo o tempo, a repensar o modo como captam investimento, aplicam os recursos e distribuem os seus resultados. Quem consegue se adaptar, sobrevive ao novo mercado.
Os investidores institucionais (leia-se fundos de investimento) ganharam maior espaço e passaram a apostar nas empresas brasileiras com maior frequência. Os bancos perderam lugar com seus produtos de prateleira para os fundos de investimento que possuem elasticidade e capacidade de oferecer um produto mais adequado ao perfil específico de cada empresa.É inegável que a maioria das empresas foge dos bancos e procura alternativas de investimento por intermédio de fundos de investimento e por captação da poupança pública no mercado de capitais, com operações estruturadas de dívida (debêntures, CRIs e CRAs) e de equity(caso de quotas e ações ou contratos de investimento como o modelo denominado decrowdfunding).
No entanto, para estarem prontas para esse novo mercado, as empresas precisaram se familiarizarcom conceitos outrora desconhecidos. É o caso da sigla ESG (environmental, social and governance ou ambiental, social e governança) que exige, hoje, um padrão de responsabilidade ambiental e social dasempresas que buscam inserção no mercado de capitais, além de um elevado nível de governança corporativa.
Alguns acontecimentos reforçam a necessidade de adequação das empresas aos riscos associados ao conceito ESG. O fundo Candriam SRI Bond Emerging Markets, que tem sob gestão um patrimônio de US$ 1,5 bilhão e investe em mercados emergentes, tem evitado investimentos na Rússia, na China e na Arábia Saudita sob o argumento de que os riscos associados ao meio ambiente, ao aspecto social e de governança corporativa são elevados e não justificam o investimento. A Vale S/Aprotagonizou dois acontecimentos que influenciaram decisivamente a precificação das suas ações e o valuation da empresa, de tal forma que os seusinvestidores estão exigindo uma severa adequação da companhia aos aspectos ESG.
Os riscos associados aos aspectos ambientais, sociais e de governança têm se provado um importante fator com relação direta sobre o retorno gerado pelos ativos, de modo que os investidores investigam, antes de tomarem qualquer decisão quanto ao aporte de capital, a forma pela qual a empresa se relaciona com o ambiente de negócios em que está inserida.
Isso, contudo, não é uma novidade, mas apenas exigência recente do mercado. Walther Rathenau, em 1917, atentava para o fato de que as empresas deveriam ser compreendidas no ambiente em que as suas atividades eram desenvolvidas e direcionadas, de modo que os acionistas e administradores deveriam observar os impactos que as operações da companhia geravam em toda a comunidade.Rathenau atribuía, desde então, uma importância relevante aos chamados stakeholders (conceito que somente aparece 63 anos depois,com Robert E. Freeman), isto é, todos aqueles indivíduos, organizações e instituições que têm interesse nas atividades da companhia, independentemente de possuírem relação contratual ou societária. Isso porque Rathenau já sabia que,apesar de a empresa impactar os stakeholders, estes também impactam a empresa de forma decisiva (basta ver o caso da Vale) e afetam não só o retorno dos acionistas ou os bônus dos administradores, mas a própria subsistência da empresa. Não por outra razão, Rathenauassinalou sabiamente: “Entretanto, enquanto a estrutura existir em sua atual forma, precisamos protegê-la contra o seu estilhaçamento pelo particularismo dos interesses privados, não importando se, assim, eventuais intenções de especular são frustradas. Temos que analisar, sobretudo, suas condições de existência e cuidar para que tais condições sejam mantidas para o bem comum sem violação dos direitos individuais”.
É nesse sentido que a Lei das Sociedades Por Ações (a Lei nº 6.404 de 1976) atribui uma série de deveres ao acionista controlador, obrigando-o a conduzir as atividades da companhia com respeito à economia nacional, ao mercado, aos acionistas minoritários, aos trabalhadores da companhia, aos investidores e à comunidade.O padrão ESG, portanto, nada mais é do que uma aplicação aprofundada dos deveres elencados pelaprópria Lei das Sociedades Por Ações, exigindo um nível mais sofisticado no que diz respeito às práticas ambientais, sociais e de governança da companhia. É, em geral, uma governança corporativa mais robusta e mais atenta aos anseios do mercado em sua nova roupagem.
As empresas que minimizarem os riscos associados às questões ambientais, sociais e de governança corporativa não só se tornarão mais atraentes para investidores institucionais e para o mercado de capitais (não é à toa que o BTG Pactual S/Alançou o primeiro ETF – Exchange-Traded Fundfocado em ESG com 96 ações de companhias adequadas a esse mercado), tornando mais simples e rápido o processo de capitalização, como também contarão com estruturas de governança que garantirão vantagem competitiva no mercado. No mesmo sentido, os stakeholders serão beneficiados com companhias de longo prazo, cuja sobrevivência e o retorno sobre o capital investido não estarão ameaçados por questões de governança corporativa, ambientais ou sociais, mas somente pelos riscos do próprio negócio e do mercado.
André Elali, Advogado, Mestre e Doutor em Direito Público e Professor Associado da UFRN; Visiting Scholar da Queen Mary University of London e do Max-Planck-InstitütfürSteuerrecht
Arthur Araújo, Advogado. Pós-Graduado em Direito Societário pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.