Na semana que findou tive a notícia do falecimento do eternizado Ministro do Superior Tribunal de Justiça, meu mestre dos bancos do Curso de Direito da UFRN, José Augusto Delgado. Não sei se possuo estatura para lhe prestar homenagem que valha, mas é exatamente isso o que tento fazer agora, através das linhas que ora escrevo com alguma dificuldade emocional e uma muito maior: a de trazer elementos sobre os saberes e a história do homenageado no campo jurídico. Portanto, já peço aos que se dispuserem a caminhar comigo nas alamedas do Campus da UFRN (do final dos anos 80 ao início dos 90), que a leitura do presente texto seja complacente com certas ignorâncias que revelo no caminho do resgate muito mais afetivo do que intelectual das passagens que tive com o grande sábio que partiu.
O Professor José Augusto Delgado sempre mereceu esse título com maiúsculas. Nunca tive dúvidas. Nunca. Desde o momento em que o vi ingressando na sala F1 (não sei como me lembro disso e posso até ser corrigido por ex-colegas) e percebi naquele senhor de paletó e gravata, nariz aquilino, com aspecto e convicções conservadoras, a expressão de genialidade que sempre lhe foi marcante.
Algumas das lembranças que dele possuo, indeléveis, trazem-me de volta instantes felizes vividos nas salas de aula, em que pude vê-lo e ouvi-lo em inesquecíveis lições de Direito e de vida. Nutro a perene certeza de que, além da fala leve, mas realçada quando queria destacar aspectos relevantes do conhecimento jurídico, a sua dedicação e extrema vocação para as tarefas às quais se propunha era algo de saltar aos olhos e atiçar a inteligência. Aliás, ele gostava de uma frase, sempre repetida que terminava com “…fricção de cérebros, de inteligências”.
O que se pode dizer, quanto ao quesito “dedicação” sobre alguém que colocava no quadro da sala todos os seus números de telefone, deixando ao critério dos seus alunos o horário das ligações para extinguirem dúvidas sobre Direito Processual Civil/Teoria Geral do Processo (e um famoso questionário de cem perguntas, que queria ver respondido por todos) a qualquer momento da manhã, da tarde, da noite e…da madrugada?!
Parecia uma excentricidade, mas era fato que estudava os processos e os livros jurídicos até altas horas da madrugada, o que certamente lhe custava receber muitos trotes de estudantes – digamos – animados em festas de finais de semana. Eu nem queria reconhecer isso, não sei se algum dos filhos ou demais parentes (destaco o querido magistrado Magnus Delgado) ficará chateado comigo, mas fui um dos atrevidos estudantes que ligaram para conferir se o Doutor Delgado estava mesmo acordado e lendo. Incrivelmente, às duas da manhã de um sábado, ao telefone muito gentilmente atendido, passei uns quinze minutos ouvindo o mestre discorrer sobre “princípios do Processo Civil”.
Muito tempo depois, tive a honra e a nobre condição de ser seu confrade na Academia Norte-rio-grandense de Letras, presidida pelo seu amigo-irmão Diógenes da Cunha Lima (também meu professor de Direito, na UFRN). Em poucas, mas muito frutíferas conversas, o mestre nos ajudou a encontrar a solução para um entrave na redação do vigente estatuto da Academia. Uma glória pessoal para mim foi ter composto aquela mesa. Ainda tenho vontade de ligar para o Professor Delgado e lhe perguntar sobre Direito e sobre o grande processo da vida, essa que ele conheceu ainda melhor e mais profundamente.
Lívio OIiveira, procurador federal, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte