English EN Portuguese PT Spanish ES

O Processo Penal e a sua deturpação nas audiências criminais

jurinews.com.br

Compartilhe

Esse sucinto artigo que escrevo, busca despir a crise identitária do Juiz brasileiro e expor suas consequências ao devido processo legal.

Dentro da citada dialética do nosso processo penal, para garantir um julgamento dentro das regras do jogo, é necessário cada um dos atores estar em seu devido lugar, exercendo de forma imparcial a busca da verdade.

Dessa forma, resta evidente que a luz de um processo imparcial, é elementar uma defesa com presunção de inocência, bem como o promotor com o ônus da prova e um Juiz imparcial e inerte judex sine actore, que não ultrapasse os limites da produção de provas, respeitando a estética processual e não agindo como parte de acusação.

Observa-se a importância de reconhecermos a inexistência da estética de imparcialidade dentro das audiências criminais do Brasil.

A fim de exemplificarmos como estamos atrasados e, consequentemente corroborando com a máquina de arbitrariedades já costumeira do dia a dia no Judiciário, cito o caso em que Geoffrey Robertson, um advogado Australiano, observador internacional da ONU, autorizado a assistir um julgamento no TRF4, relatou: “—cheguei ao tribunal esperando assistir a um julgamento justo, mas vi o promotor sentado com os juízes, tomando café, passando o tempo e almoçando juntos. Inacreditável. Visualmente, é uma corte tendenciosa. Tenho de dizer: o brasil tem um sistema primitivo no qual não há juízes independentes.” sublinhou Robertson.

Com esse breve relato, podemos observar que a parcialidade em que é conduzida as audiências criminais no Brasil, não está apenas adstrita a deturpação da função jurisdicional, que demonstra, muita das vezes, clara confusão entre o órgão incumbido da função de acusar e de julgar, mas também a posição em que as partes se encontram nas audiências.

Juízes e promotores, por vezes, não satisfeitos em estar geograficamente juntos no momento da audiência, parecem, ainda, atuar em conjunto para o deslinde do processo. Imparcialidade mitigada, diríamos.

Demonstrando o que até aqui fora ventilado, necessário para entendermos com mais clareza a posição das partes nas audiências criminais, recentemente, amplamente divulgado, a Juíza tentou impedir que eu gravasse a audiência em razão do segredo de justiça, deixando de observar a recente alteração do NCPC.

O promotor da audiência, por sua vez, em conluio de ideias – proteger a magistrada-, inovou, firmando interpretação restritiva ao art. 367, § 6º CPC/2015, se posicionando no sentido de permitir que as gravações somente poderão ocorrer no momento dos depoimentos, contrariando o dispositivo legal que prevê que a audiência de instrução e julgamento poderá ser integralmente gravada, inclusive pelas próprias partes, sem a necessidade de prévia autorização judicial.

No vídeo que viralizou no meio jurídico, fica difícil entender quem é juiz, quem é promotor e qual o papel deles na audiência, os quais parecem atuar em sintonia, como verdadeiros parceiros frente a defesa, mesmo sem qualquer observância da mínima legalidade em suas alegações.

Nesse interim, precisamos sair da caverna – alegoria de Platão – e entender o quão mal estamos indo tendo um processo primitivo que deveria ser acusatório com resquícios inquisitórios, quando temos, processos inquisitivos com singelos traços de acusatórios.

Aqui, o juiz já entra contaminado, minguado de originalidade cognitiva. E, além de decretar medidas cautelares requeridas na fase pré-processual, ainda, tem o condão de julgar processos que, na imensa maioria das vezes, acompanha desde a fase investigativa.

Em 2020, no HC 193.515/RJ, que teve como relator o ministro Dias Toffoli a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou que advogado pode gravar a audiência mesmo sem ter autorização judicial, mas, me parece que tal decisão não chegou nos gabinetes do judiciário. 

Dessa forma, qualquer incursão na iniciativa das partes em detrimento do contraditório e ampla defesa garantidos ao réu, atinge irremediavelmente a imparcialidade que é esperada do Juiz. E com isso desnuda a vontade de atuar como parte de quem, por comando legal, não pode.

A atitude denota um ânimo que não condiz com a imparcialidade, instituto elementar no processo penal. Pois, ao tentar indeferir a gravação da audiência, o faz ao absoluto arrepio da lei, e certamente assim o fez para demonstrar seu poder, bem como, para de alguma forma suprir as expectativas punitivas as quais erroneamente lhe são depositadas, principalmente por se tratar de acusação de um crime bastante grave.

Mas precisamos entender que a gravação, ao meu ver, constitui meio de prova essencial, pois normalmente as arbitrariedades ocorrem justamente nesses momentos, como foi o caso.

Cito ainda o julgamento do caso Henry, no Tribunal do Rio de Janeiro, onde a magistrada que presidia o júri, destemida com a repercussão que poderia ocorrer, caso vazasse a filmagem onde manifesta sua parcialidade, diz: “Acho melhor você não botar isso aí não, senão vão levantar minha suspeição.”
É ISSO.

Se não houvesse a agravação, não seria possível fazer tal prova, essa é a razão de ser do artigo 367, §§ 5º 6º do CPC, assim pensou o legislador ao prever tal norma. Oriento aos colegas gravarem a audiência sem interrupções.

Não menos importante é o fato do artigo 43 da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), que inseriu no Estatuto da Advocacia o artigo 7º-B, tipificando penalmente a violação do direito ou prerrogativa do advogado, e, caso haja violação, um dos efeitos é a perder do cargo público (art. 4° da Lei 13.869/2019) assim, devemos nos valer desse dispositivo para proteger não só a advocacia, mas também a sociedade.

Sérgio Figueiredo é advogado criminalista – pós graduado em Direito Penal, Processo Penal e Processo Civil, Conselheiro da OAB de Itaboraí (RJ), Presidente da Comissão de Prerrogativa da OAB de Itaboraí

Deixe um comentário

TV JURINEWS

Apoio

Newsletters JuriNews

As principais notícias e o melhor do nosso conteúdo, direto no seu email.