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O mês da democracia

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Em tempos claramente marcados pela polarização, em que “trolagens” e cancelamentos são modos culturais de expressar vieses ideológicos de direita e esquerda, em que limites entre ficção e realidade são propositalmente borrados como meio de se escamotear a verdade, o livre debate e a produção de consensos se apresentam imprescindíveis para o fortalecimento da democracia liberal. Trata-se do que Stuart Mill concebeu como “livre mercado de ideias”. O filósofo britânico, nos oitocentos, já professava que o direito de opinião ou a livre expressão das ideias, verdadeiras ou falsas, não deve ser cerceada e nem suprimida, a exceção de gerar gravame injusto. 

O contraditório, construído a duras penas pelo debate público de ideias, é crucial para as democracias e para os avanços civilizatórios nas sociedades, agindo como meio eficaz de controle social dos políticos e governantes, especialmente aqueles tendentes a abusar do poder. Mas, os maiores obstáculos enfrentados pelo debate nos dias atuais, paradoxalmente remetem à natureza da sociedade da informação, à produção incessante de novas tecnologias, dados e imagens. Face à pletora de informação, à influência das redes sociais, à falta de tempo ou à complexidade dos temas, natural que busquemos um sentido para tudo através da simplificação, tornando-nos alvos das campanhas de ódio, do radicalismo de esquerda ou direita, da intolerância, do obscurecimento dos limites entre fatos e mentiras, das táticas de desinformação, das teorias da conspiração e do negacionismo contumaz.    

Ainda assim, faz-se necessário não desanimar, insistir em debates que gerem reflexão, sacudir a bolha virtual presente na política e nas instituições, denunciar a fabricação e a disseminação de falsidades, a cristalização de comportamentos e ideias de intolerância. Como bem observou a historiadora conservadora Anne Applebaum, “os radicais fizeram da política um terreno de debates irreconciliáveis, em vez de focar no essencial, as pautas que unam as pessoas”. 

A democracia é uma grande invenção e persiste como a melhor intérprete da soberania popular, por mais que os cidadãos demonstrem desprezo pela política ou façam escolhas que nem sempre resultam em benefícios para a coletividade. Mas esse sistema cobra seus encargos, renuncia à violência e autoritarismo em favor do debate, da persuasão, do respeito aos direitos dos outros. Esse sistema multicomponente se equilibra por meio de mecanismos de pesos e contrapesos institucionais, de modo a manter os acordos e legitimar as escolhas feitas pela sociedade, as quais tendem a ser pouco extremadas e reguladas por meios legais de pôr fim aos abusos. 

Mas o atual contexto, refém da pandemia e das escolhas políticas, espelha fragilidades da nossa sociedade, a falibilidade da democracia e a urgência do debate e de amadurecimento ou reinvenção das instituições. Lembremo-nos que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do alto de seus 90 anos de existência, é a maior instituição civil do país e porta-voz da sociedade civil nos momentos mais difíceis da história recente. Resistente a ceder aos ditames de facções ideológicas e aos interesses suspeitos escamoteados em alguns projetos de poder, a OAB persiste atuando na defesa diuturna das prerrogativas da advocacia, essenciais para garantir ao cidadão o acesso à defesa qualificada para se apresentar à Justiça em pé de igualdade com o Estado. A tarefa é árdua em vista da missão legal de perseguir o correto cumprimento do ordenamento jurídico, especialmente no tocante ao direito de defesa. Pois o preço pago por quem opta por exercer a advocacia, sem vínculos com partidos e ideologias, é a incumbência de, não raras vezes, assumir posturas contramajoritárias e ser alvo de arbitrariedades perpetradas por forças que evitam o diálogo e desrespeitam direitos e garantias esculpidas na Constituição Federal como bases da democracia. A advocacia é imprescindível ao regime democrático. E, não existe Democracia sem o advogado.

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