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Nós, mulheres advogadas: a dor e a delícia de ser quem somos

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​No caminhar dessa nossa estrada de batalhas e desafios, nós, mulheres advogadas, espalhadas por todo esse país continental na labuta diária da nossa profissão, tivemos ontem um dia extremamente importante: reunião do Colégio de Presidentes dos Conselhos Seccionais da OAB. Em pauta, proposta de maior participação feminina nas eleições da nossa Ordem, aumentando dos atuais 30% (trinta por cento) para o justíssimo percentual de 50% (cinquenta por cento) destinado à participação nas chapas.

Metade da classe de advogados já é hoje representada por mulheres, e nada mais igualitário e harmônico que essa representatividade saia dos discursos para a verdadeira prática. Votaram a favor da paridade já nas eleições de 2021 as OAB’s dos Estados da Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo e Mato Grosso do Sul.

O Presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz, apoiou a paridade já, sem referendo ou plebiscito, descartando a sugestão de algumas Seccionais nesse sentido. A relutância de outras Seccionais em apoio a tão nobre causa, não se justifica nos tempos de hoje. O que buscamos é uma igualdade com a marca da responsabilidade, da competência e do compromisso. E isso, nós mulheres, temos e sempre trabalhamos historicamente para termos e chegar onde chegamos.

Sempre me chamou a atenção o fato do crescente número de mulheres na advocacia não ter o efeito de conseguir nos conduzir a maiores espaços na nossa instituição representativa. Concluo que há um machismo velado, que se esconde em discursos bonitos e bandeiras do politicamente correto, mas que não se transformam em verdadeiras ações.

E as mulheres advogadas que possuem nas mãos a condição de decidir a gestão que desejam e que precisam à suas causas, não conseguem se transformar em protagonistas dessa mudança. Atuam sempre em um estado de coadjuvância, como que impedidas de serem aquelas que conduzem o leme da embarcação. Vejam: nas últimas eleições das Seccionais da OAB, nenhuma mulher foi eleita, dentre as que pleitearam a Presidência. E o quadro de mulheres nos Conselhos Estaduais e Federais é decepcionante.

Algo mais me chama a atenção, desta feita, na nossa OAB/RN. No alto dos seus 87 anos de existência, apenas uma mulher foi Presidente, contudo, em substituição ao Presidente e Vice, que se afastaram. Nenhuma eleita para o cargo de Presidente através de processo eletivo, portanto. No entanto, o Conselho Regional de Engenharia – CREA/RN, instituição de uma carreira até então conhecida por uma maioria de profissionais do gênero masculino, em apenas 50 anos de sua existência, já elegeu três mulheres para sua Presidência, reelegendo neste ano, essa terceira mulher, parte de uma história que deixa exemplo e nos põe a refletir.


E para agravar essa questão que não se entende, somos de um Estado exemplo de protagonismo feminino, citando os exemplos de Celina Guimarães, Alzira Soriano, Nísia Floresta, Clara Camarão, Auta de Souza, Joana Bessa, Maria do Céu, Dona Militana, Débora Seabra. Definitivamente, somos um Estado de pioneirismo e protagonismo feminino. Quando Rosa Parks, no ano de 1955, se negou a ceder o seu assento no ônibus da cidade de Montgomery, no Alabama, a um homem branco, foi presa, fichada e teve que pagar multa, esse “não” de resistência dado por ela mudou a história americana. Quando Ruth Barden Ginsburg disse “quando às vezes me perguntam quando haverá o suficiente (Juízas na Suprema Corte Americana) e eu digo: quando houver nove, e as pessoas ficam chocadas. Mas houve nove homens e ninguém nunca levantou questão sobre isso”, ela pôs um dedo na ferida, apontando um machismo estrutural impregnado naquela Nação que se intitula democrática. E nos deixa ainda o ensinamento de que “as mulheres pertencem a todos os lugares onde as decisões são tomadas. Não deveria constituir que as mulheres sejam exceção”.

Peço licença aqui para uma homenagem, não só as mulheres de garra, resiliência e coragem para abrir os caminhos que temos que trilhar nessa longa caminhada de conquistas. Essa licença, quase poética, é para homenagear muitos homens que com sensibilidade, espírito e consciências elevadas, seguros, capacitados e de personalidade marcante, que se movem de forma inteligente e evoluída, que reconhecem nossa luta, aplaudem e seguem juntos a nós nessa longa e espinhosa caminhada por uma igualdade das mais justificáveis e legítimas, e entendem, sem precisar desenhar, que não queremos nos sobrepor a nenhum outro gênero. Se fui abençoada com tantas mulheres guerreiras na minha trajetória e ao meu lado, fui igualmente abençoada com homens assim na minha vida: pai, marido, filho, amigos e grandes colegas de profissão. Homens assim, que um dia resolveram usar gravatas cor-de-rosa em uma campanha linda e memorável, com garra, alegria, vontade e disposição a empunhar a bandeira da igualdade e do respeito.

E que a nossa instituição maior, definitivamente, faça a sua parte nesse nosso processo de tão sonhada igualdade, se quiser assentar seu nome nessa nossa história de lutas e vitórias, nos oferecendo os meios de que dispõe para alcançá-la, mesmo tão tardiamente, por justo e necessário. Discursos e falas não mais nos interessam. Ações é do que precisamos.

Magna Letícia de A. Lopes Câmara
Advogada e Procuradora do Estado

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