English EN Portuguese PT Spanish ES
OPINIÃO

Excessos do STF provocam erosão na democracia

jurinews.com.br

Compartilhe

No ambiente da institucionalidade, não há defesa de democracia sem respeito ao Estado Democrático de Direito. A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de manter presos dois suspeitos de ameaçar sua família e pregar contra o Judiciário e o Estado de Direito, expõe um problema crônico. Essa postura não só coloca em risco a imparcialidade do STF e do Judiciário, mas também ameaça os fundamentos da democracia brasileira.

O ministro Alexandre decidiu desmembrar o caso, investigando separadamente as ameaças à sua família e os ataques ao Estado de Direito. No entanto, mesmo declarando-se impedido de julgar a primeira parte, dado o envolvimento pessoal com o caso, manteve-se à frente da segunda. O ministro dividiu o processo, optando por continuar a ser responsável pela investigação dos suspeitos pelo crime de afronta ao Estado Democrático de Direito ao mesmo tempo em que reconheceu impedimento em relação às ameaças à sua família. Um reconhecimento que se deu forma tardia, depois de decretar as prisões.

É difícil não enxergar no movimento o exercício de jurisdição voluntarista, despida da imparcialidade; princípio fundamental da justiça, garantido por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O Código de Processo Penal brasileiro é claro ao afirmar que um magistrado não pode julgar um caso em que ele próprio ou seus parentes sejam partes interessadas (artigo 252, IV, CPP). É o elementar do elementar no tema do princípio da imparcialidade. O “fatiamento tardio” não dá conta de resolver a violação flagrante desse princípio, criando uma perigosa exceção que abre precedentes com efeitos deletérios para o sistema judicial brasileiro.

As críticas a essa decisão não se limitam a questões jurídicas, mas também envolvem a percepção pública da justiça. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou-se para lembrar o óbvio: a vítima não pode ser julgadora de seu próprio caso, um princípio básico que até então parecia ser nítido para todos – particularmente para os operadores do Direito. A crítica da Ordem aponta para uma preocupação mais ampla sobre a atuação do STF em casos que envolvem pessoas sem foro privilegiado.

A imparcialidade do ministro está questionada há algum tempo e ganhou relevância com casos de grande repercussão, como as investigações sobre fake news e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. A polêmica com o bilionário Elon Musk intensificou o debate sobre o papel do STF e a liberdade de expressão no Brasil. Musk e outros críticos veem as ações de Moraes como autoritárias, destacando o risco de um Judiciário que atua além de seus limites constitucionais.

A decisão de Moraes também tem implicações para a credibilidade das instituições brasileiras. O uso de “ordens secretas” para proibir discursos legítimos nas redes sociais, como criticado na imprensa, reforça a percepção de um STF que atua de forma opaca e sem transparência. Esse tipo de atuação mina a confiança do público no Supremo. A pesquisa ProDat mostrou que o percentual de brasileiros que consideram o trabalho do STF como ótimo e bom caiu de 31%, em 2022, para apenas 14% em 2024 e isso aponta para um preocupante – e crescente – déficit de legitimidade – o que é muito ruim para a democracia brasileira.

A OAB Paraná, em parecer exaustivo sobre um aspecto importante da crise de confiança, apontou a necessidade de encerrar os “inquéritos excepcionais” no STF, sob a “relatoria estendida e ilimitada” do ministro Alexandre de Moraes. Em um cenário político já polarizado, as ações do ministro podem ter um efeito desastroso. A tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, mencionada pelo ministro do STF, é um argumento sério, mas a defesa da democracia se faz dentro das regras do próprio estado Democrático de Direito, necessariamente.

A democracia brasileira depende de um Judiciário imparcial e transparente e as recentes ações de Alexandre de Moraes, ao personalizar a atividade jurisdicional, colocam esse princípio fundamental em risco. A defesa do Estado de Direito deve ser feita com rigor, mas sempre respeitando os princípios da imparcialidade e da legalidade, sob pena de comprometer os próprios valores que se pretende proteger. A atuação firme da OAB e o interesse da sociedade civil pelo tema são essenciais para garantir que a justiça seja feita de forma justa e imparcial, preservando a integridade de um sistema democrático que tanto nos custou construir no país.

Luiz Fernando Casagrande Pereira, advogado, é doutor em Direito pela UFPR e diretor da OAB-PR

Deixe um comentário

TV JURINEWS

Apoio

Newsletters JuriNews

As principais notícias e o melhor do nosso conteúdo, direto no seu email.