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Ensino e pesquisa jurídica durante a pandemia e reflexões sobre curadoria

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Ao aceitar a missão de comungar esforços para a realização das Eleições de 2020, sob a gestão do Ministro Presidente do TSE Luís Roberto Barroso, iniciada em maio de 2020, não podíamos prever a importância de conhecimentos e categorias por nós completamente desconhecidos e que entraríamos em contato, tais como metodologia Agile ou Kabum em gestão de projetos, tecnologias de educação corporativa e andragogia no âmbito do ensino à distância, ou mesmo a gestão de informações e conhecimentos para os públicos internos e externos tanto o formado em Direito quanto os cidadãos.

Pelas peculiaridades da Justiça Eleitoral, que além de julgar, administra o pleito eleitoral, normatiza e responde a consultas de autoridades, bem como tem composição temporária, em consonância aos artigos 118 a 121 da Constituição Federal, observamos a necessidade permanente de capacitação de atores, com formação jurídica, em matéria de direito eleitoral e partidário. Sem dúvidas, trata-se de um esforço hercúleo a tarefa de organizar a vida democrática brasileira a cada biênio.

Na qualidade de aprendizado que levei para a minha vida, fato é que nos demos conta rapidamente da importância de uma política educacional e institucional voltada para conservar e difundir os conhecimentos jurídicos produzidos por juízes e servidores de Tribunais, nacionalmente desde Brasília ou regionalmente na medida em que há um Tribunal Regional Eleitoral na Capital de cada Estado e no Distrito Federal, por força do art. 120 do texto constitucional.

A respeito desse tema, mediado por necessidades da Administração Pública e da comunidade jurídica, além de progressos tecnológicos pelos quais o algoritmo da Amazon ou do Google nos consegue fornecer indicações mais precisas e alinhadas aos nossos gostos em comparação com familiares e orientadores na vida acadêmica, a velocidade com que se nota a obsolescência de conhecimentos jurídicos tornou urgente a introjeção do conceito de aprendizado ao longo da vida (lifelonglearning) no campo do Direito.

Há tempos a Ordem de Advogados do Brasil tem chamado a atenção para o fato de que o mercado educacional nacional passou de 165 faculdades de Direito no ano de 1995 para 1.670 instituições de ensino no ano de 2019, assim se estima que no país haja entre 1,5 a 3 milhões de bacharéis nesse ramo do conhecimento, conquanto certamente temos mais de um milhão de advogados. No último censo do ensino superior levado a efeito pelo Ministério da Educação, constatou-se que o curso de Direito é hoje o mais procurado em número de ingressantes, aproximadamente 880 mil, ultrapassando o curso de Administração, líder no censo de 2009, e distanciando-se ainda mais de Pedagogia, Ciências Contábeis, Engenharia Civil e Enfermagem. Em resumo, queremos dizer que a natural competição no mercado de trabalho e a dinamicidade do campo jurídico exige por parte dos juristas um olhar permanente pela atualização mediante investimentos, inclusive de tempo, em desenvolvimento pessoal e profissional.

Neste breve espaço, gostaríamos de chamar atenção para o fato que em muitos casos a aquisição desses conhecimentos é gratuita em razão de diversos fatores: (i) a qualidade do ensino público, inclusive o de nível superior, no Brasil; (ii) as diretrizes das instituições de promoção de pesquisa (v.g. CAPES e CNPq) que culminam em artigos, monografias, dissertações e teses de acesso aberto ao público; (iii) a intensa produção de obras e conhecimentos de valor prático e científico por parte dos órgãos, entidades e agentes públicos, cuja resultante também é disponível ao público; e (iv) o senso de responsabilidade social de pessoas privadas (v.g. escritórios de advocacia, departamento jurídico de empresas multinacionais e instituições de ensino) que estimula a difusão graciosa de conhecimento.

Em relação aos fatores (i) e (ii), chamamos a atenção para o “Catálogo de Teses e Dissertações” da plataforma Sucupira da CAPES,[1] local em que se pretende compilar a produção acadêmica dos mestrados e doutorados das universidades. Ademais, nesse mesmo escopo, informamos que a maior parcela dos artigos publicados em periódicos encontra-se aberto ao público, sendo boa referência da qualidade dos periódicos os veículos acadêmicos ranqueados segundo o sistema de avaliação “Qualis Periódicos”.[2]

No que toca ao fator (iii), cada órgão e entidade possui política própria de difusão da informação. Por brevidade, aqui nos ateremos ao Supremo Tribunal Federal, sediado em Brasília-DF, tendo em vista nossa maior familiaridade com a instituição. O STF disponibiliza um conjunto de obras e serviços gratuitamente a todos os jurisdicionados, seja por meio da TV Justiça em cuja grade há programação formativa, seja mediante publicações disponíveis no sítio institucional do órgão, como é o caso dos conhecidos Informativos[3] e da Legislação Anotada.[4] Nesse contexto, destaca-se a obra “A Constituição e o Supremo” – rotineiramente atualizada no formato digital[5] e em sua sexta edição na forma impressa –na mesma linha destaca-se o buscador de jurisprudência “Corpus 927”[6] desenvolvido pela Enfam em parceria com o STJ. Há, ainda, outraspublicações oficiais do STF, por exemplo a série “Memória Jurisprudencial”[7], na qual recomendo vividamente, por ilustração, a obra dedicada ao saudoso Ministro Teori Zavascki em que o Professor da UFRGS Daniel Mitidiero, um dos maiores processualistas da atualidade, dispôs-se a sistematizar a jurisprudência recente do Tribunal.

Ademais, no esforço de difusão da informação à comunidade jurídica, foram produzidas publicações temáticas dos Informativos,[8] levantamentos temáticosda Coordenadoria de Biblioteca do Tribunal de casos em trâmite no STF, principalmente aqueles submetidos aaudiências públicas.[9] Recentemente, fruto da orientação de internacionalização do STF, registro publicações em língua inglesa sobre a jurisprudência relacionada à Covid-19.[10]

Enfim, caro(a) Leitor(a), esperamos ter noticiado alguma iniciativa por si desconhecida, a ser incorporada em sua dose diária de atualização jurídica. Em síntese, defendemos as necessidades contemporâneas de um lado em aprender permanentemente no curso da vida profissional, esforço esse que não é necessariamente oneroso, à luz da quantidade de conhecimentos disponíveis gratuitamente ao público, bem como, de outro, da premente consciência do jurista em saber selecionar o que importa em um mundo de excesso informacional.[11]

Rafael Campos Soares da Fonseca é Professor do IDP. Doutorando em Direito pela USP e Mestre pela UnB. Analista Judiciário do STF, tendo já ocupado os cargos de Assessor de Ministro, da Presidência e, no TSE, Assessor-Chefe da Escola Judiciária Eleitoral. Coordenador do grupo de pesquisa “Observatório da Macrolitigância Fiscal” do IDP/CNPq.

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[1] Disponível em: <https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/>. Acesso em 20 de abril de 2021.

[2] Disponível em: <https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/veiculoPublicacaoQualis/listaConsultaGeralPeriodicos.jsf>. Acesso em 20 de abril de 2021.

[2] Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF>. Acesso em 20 de abril de 2021.

[4] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=publicacaoLegislacaoAnotada>. Acesso em 20 de abril de 2021.

[5] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/>. Acesso em 1 de outubro de 2020.

[6 Disponível em: <https://corpus927.enfam.jus.br/>. Acesso em 20 de abril de 2021.

[7] Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=publicacaoPublicacaoInstitucionalMemoriaJurisprud>. Acesso em 20 de abril de 2021.

[8]BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informativos STF 2014-2018 [recurso eletrônico]: teses e fundamentos: direito financeiro. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2019.

[9]Cita-se, por todos, o levantamento sobre Intervenção Federal: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SECRETARIA DE DOCUMENTAÇÃO. COORDENADORIA DE BIBLIOTECA. Intervenção Federal: bibliografia, legislação e jurisprudência temáticas. Brasília: STF, 2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaBibliografia/anexo/Intervencao_Federal_jun2010.pdf>. Acesso em 1 de outubro de 2020.

Intervenção Federal: bibliografia, legislação e jurisprudência temáticas. Brasília: STF, 2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaBibliografia/anexo/Intervencao_Federal_jun2010.pdf>. Acesso em 1 de outubro de 2020.

[10] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SECRETARIA DE ALTOS ESTUDOS, PESQUISAS E GESTÃO DA INFORMAÇÃO. COORDENADORIA DE BIBLIOTECA. Case Law Compilation [recurso eletrônico]: Covid-19. Brasília: STF, 2020.

[11] A esse respeito, recomendamos a leve leitura de “A era da curadoria: O que importa é saber o que importa!” (Editora Papirus, 2015), dos educadores e comunicadores Mário Sérgio Cortella e Gilberto Dimenstein.

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