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Dívida trabalhista não é subsídio

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A Justiça do Trabalho possui hoje 24 Tribunais Regionais, cerca de 4 mil juízes e um sem número de servidores, parque de tecnologia da informação, etc. para julgar mais de 8 milhões de reclamações por ano. Como o Brasil possui cerca de 41 milhões de pessoas em emprego formal, segundo o PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, isso significa dizer que, a cada grupo de 5 pessoas, pelo menos uma pode estar litigando com o seu empregador, sem considerar as ações coletivas, de que não se tem base de dados.

Há, assim, uma infinidade de litígios trabalhistas, dos quais 99% tratam de verbas não pagas aos respectivos empregados prejudicados. Há reclamações milionárias, muitas delas coletivas, e, com freqüência, se lê notícias de que determinada empresa foi condenada a pagar milhões de reais a trabalhadores que, de alguma forma, tiveram seus direitos trabalhistas representados em verbas glosadas pelo empregador quando da rescisão do contrato de trabalho ou durante a relação de emprego.

Pois bem, no serviço público também é assim. Só muda o local ou a justiça competente, que passa a ser a comum ou cível. Há centenas de milhares de ações de cobrança contra a União, os Estados e Municípios, e pelo mesmo motivo, qual seja, direitos trabalhistas sonegados, só que pela administração pública direta ou indireta. São ações que visam o recebimento de férias, licenças, índices ou fatores, reconhecimento de isonomia, gratificações, etc. Esses entes acabam sonegando direitos e são quase sempre condenados a restituí-los em maior ou menor parte.

Esse movimento processual é absolutamente normal em países democráticos, desaguando no ajuizamento de ações, quando empregado/empregador não chegam a um bom termo nas parcelas que compõem a rescisão do contrato de trabalho. Às vezes, diga-se, essa negociação ocorre, inclusive, durante o contrato de relação empregatícia, fazendo com que haja um ajuste nas respectivas cláusulas.

No entanto, quando esses mesmos direitos, respectivos a verbas trabalhistas em atraso, são sonegados a magistrados e os mesmos, no livre exercício de reivindicação do que é justo, recebem o que lhes compete, o mundo vem abaixo. Cem por cento das vezes a imprensa brasileira veicula, com grande alarde, que estes ou aqueles magistrados furaram o teto do funcionalismo público ao receberem verbas tidas ou confundidas com subsídios (nome do salário mensal dos magistrados). Críticas ácidas, pejorativas e humilhantes, com exposição de nome e sobrenome dos supostos malversadores do dinheiro público, são divulgadas, de modo, inclusive, a colocar em risco a segurança desses magistrados.

Ledo engano. Todos os trabalhadores do mundo podem e devem receber verbas trabalhistas em atraso. A exceção, parece, é a dos trabalhadores do judiciário brasileiro. Nenhum administrador, presidente de Tribunal, autorizará, em sã consciência, o pagamento de diferenças salariais sem o amparo legal. É óbvio que, quanto maior houver sido a sonegação do direito, maior será o valor a receber, ou seja, maior foi a espoliação do empregado e, assim, maior é a dívida social com este.

Pois bem: por que os magistrados brasileiros não têm ou não podem ter o direito de receber verbas trabalhistas atrasadas? Onde consta na CF/88 essa proibição? Qual é o ordenamento jurídico que impõe ao magistrado abrir mão desses direitos? E por que abriria? A isonomia no tratamento das relações de emprego estaria sendo objeto de discriminação? 

São perguntas de respostas tão óbvias que é impossível não perceber que grande parte dos críticos pode estar de evidente má-fé. O que é alto é o percentual de direitos não pagos durante anos pela administração e não os subsídios, que são fixados pelo Supremo Tribunal Federal em aproximadamente 27 mil reais líquidos.

Sendo assim, quando se lê que determinado magistrado recebeu acima do teto do funcionalismo, saiba-se que este valor decorreu de débito, de valores não pagos a tempo e a hora, de valores que podem não ter sido pagos por falta de orçamento momentâneo, prejudicando o credor, que foi obrigado a esperar para receber o que é seu.

Finalmente, lembro ao leitor que o Poder Judiciário é o único que arrecada aos cofres públicos. Segundo o Justiça em Números (CNJ), o Poder Judiciárioarrecadouem 2021, 62% das suas despesas, totalizando R$ 62,39 bilhões. Esse foi um dos maiores montantes auferidos na série histórica, apenas superado pelos dados de 2019 (76,1%) e de 2018 (62,7%). Do mencionado total arrecadado, R$ 40,2 bilhões correspondem à liquidação de dívidas de devedores aos cofres públicos por meio das execuções fiscais, o que representa 64,4% da receita informada acima.

Conclui-se que é hora de passar a entender que quem arrecada tais valores merece, pelo menos, receber seus atrasados trabalhistas sem as críticas que os demais trabalhadores brasileiros não sofrem.

Marcelo Buhatem é Desembargador no TJ-RJ e Presidente da ANDES (Associação Nacional de Desembargadores)

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