A pandemia provocou mudanças sociais e obrigou a população e os poderes públicos a estabelecerem prioridades. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública lançado no fim de julho, referente ao período de março a maio de 2020 em 12 estados brasileiros, apontou que à medida que a quarentena avançava, os registros policiais de lesão corporal diminuíram, sugerindo certa dificuldade das vítimas para pedirem ajuda. Em contrapartida, o número de feminicídios, o assassinato de mulheres, teve aumento de 2,2% em comparação com o ano passado nestes estados.
Diante da situação alarmante, cabe ressaltar algumas medidas e avanços legislativos e do judiciário para tentar lidar com o problema. A necessidade de quarentena e distanciamento social dificultou a situação nas casas em que o convívio familiar já era difícil, muitas vezes devido à superlotação da moradia e ao impacto econômico da pandemia. Com a permanente vigilância das vítimas, era preciso criar condições que favorecessem a denúncia. Por isso, em junho a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), maior entidade representativa do Judiciário no Brasil, e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que orienta os procedimentos para o sistema de Justiça, lançaram a campanha “Sinal Vermelho”.
Por meio de parceria com redes de farmácias, a ação orienta as vítimas a denunciarem, nos estabelecimentos, as agressões. Mais de 10,5 mil unidades aderiram e estão identificadas com um cartaz afixado na entrada. A denunciante pode desenhar um “X” na mão e mostrar ao atendente, que poderá prestar auxílio e acionar as autoridades.
Mas ocorreram também a aprovação de pautas extremamente importantes e que tiveram amplo apoio AMB. O que demonstra que a pandemia também está sendo uma oportunidade para mudanças capazes de transformar algumas estruturas de acolhimento às vítimas. A Lei Ordinária 14022/2020 tornou essenciais os serviços de combate e prevenção na pandemia e dispôs sobre medidas de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, idosos e deficientes. Um avanço importantíssima que, aliada à campanha “Sinal Vermelho”, facilita a denúncia de abusos e de agressores.
Aprovado pelo Senado e encaminhado para análise da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (2510/2020) também contribui ao reforçar medidas, como o aumento da pena do crime de omissão de socorro, e estabelecer deveres de vizinhos e proprietários em condomínios para informarem às autoridades sobre casos de violência doméstica e familiar.
Já outros projetos aprovados na Câmara e encaminhados ao Senado preveem novas medidas de combate à violência doméstica (PL 1444/2020) e tornam essenciais os serviços de acolhimento institucional às mulheres e seus dependentes (PL 1552/2020).
Mesmo com os avanços, o levantamento Global Access to Justice, realizado por uma rede internacional de pesquisadores, revelou que nenhum país do mundo conseguiu, até agora, aplicar políticas públicas eficientes contra a agressão nos lares em meio à pandemia. Com a campanha “Sinal vermelho”, o Brasil se torna pioneiro na articulação de uma política não necessariamente originada no Executivo ou no Legislativo, e sim no Judiciário, e que conta com o apoio de todos – inclusive do setor privado.
Com trabalho articulado e a contribuição de diversos atores, o país avança com humanidade e responsabilidade social para proteger vítimas. A denúncia é o primeiro passo. Facilitar o acesso e aprimorar as leis são deveres institucionais. Educar e auxiliar quem precisa denunciar é um trabalho de todos.
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