Fronteiras do Direito

Por Leonardo Branco, Letícia Menegassi Borges e Alexandre Evaristo Pinto

Um tema. Dois convidados. Discussões inteligentes com um pé no direito e outro não.

Quem produz

Leonardo Branco
Conselheiro Titular e Vice-Presidente de Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Letícia Menegassi Borges 
Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada com experiência em Direito Tributário, atuando nas áreas consultiva e contenciosa. 

Alexandre Evaristo Pinto
Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP).

TJ-DFT indicará mulher à vaga de desembargadora após a CNJ anular eleição que violou regra de paridade de gênero

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DFT) informou que irá refazer a lista tríplice para promoção ao cargo de desembargador, desta vez composta exclusivamente por mulheres. A nova eleição está marcada para o dia 8 de julho e atende à Resolução nº 525/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que institui ação afirmativa de gênero no acesso de magistradas aos tribunais de 2º grau.

A decisão foi tomada após o CNJ suspender, por unanimidade, os efeitos da escolha do juiz de 2º grau Demetrius Gomes Cavalcanti para o cargo de desembargador, ocorrida em 24 de junho. A promoção havia sido feita com base em uma lista composta apenas por homens, contrariando a política de alternância de gênero estabelecida pela resolução.

Antes mesmo da votação, a conselheira do CNJ e ouvidora Nacional da Mulher, Renata Gil, já havia enviado ofício ao TJ-DFT solicitando que a lista fosse formada apenas por candidatas mulheres. A solicitação também foi reforçada por entidades em defesa da paridade de gênero, incluindo o Grupo Mulheres do Brasil, presidido por Luiza Helena Trajano.

Na ocasião, o Tribunal alegou que a promoção da desembargadora Sandra Reves, por antiguidade, em 2023, já teria atendido à exigência de alternância. No entanto, o CNJ entendeu que apenas as promoções por merecimento estão submetidas à regra, não podendo ser compensadas por promoções por antiguidade, mesmo que envolvam magistradas.

A Resolução nº 525/2023 prevê que, quando o percentual de mulheres no 2º grau for inferior a 40%, como é o caso do TJ-DFT (com apenas 28,9% de desembargadoras), as promoções por merecimento devem se alternar entre listas mistas e listas exclusivamente femininas. A norma visa corrigir a histórica sub-representação feminina nos tribunais.

A medida faz parte da Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário, aprovada pelo CNJ em setembro de 2023, que alterou a Resolução nº 106/2010 e consolidou diretrizes para ampliar a presença de mulheres nos cargos mais altos da magistratura.

TJ-SP condena servidora por benefício indevido de IPTU ao marido

A 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de uma servidora pública por improbidade administrativa. A decisão inicial, proferida pela 1ª Vara Cível de São João da Boa Vista, considerou que a servidora beneficiou o próprio marido com uma isenção irregular de IPTU.

As penalidades aplicadas incluem a devolução de R$ 3,9 mil aos cofres públicos, a suspensão de seus direitos políticos por um período de cinco anos, e a proibição de celebrar contratos com o setor público ou de usufruir de vantagens como incentivos fiscais ou creditícios. Essa restrição se aplica tanto diretamente quanto por meio de qualquer entidade jurídica em que ela detenha a maioria das ações, e vigorará pelo mesmo prazo de cinco anos.

A servidora, ocupando a posição de chefe da Seção de Tributação do Município, removeu, de forma injustificada, o débito fiscal do imóvel de seu marido, conforme consta nos autos. O desembargador Marcelo Martins Berthe, relator do recurso, enfatizou a clareza do dolo, ressaltando que a conduta foi “conscientemente direcionada a suprimir obrigação tributária”. Para ele, isso representou um claro desvio de finalidade, desrespeitando os deveres de seu cargo e, acima de tudo, os princípios da Administração Pública.

Mesmo que o crédito já estivesse prescrito ou que seu lançamento tenha sido irregular, o magistrado enfatizou que essa condição é irrelevante.

“A servidora não detinha qualquer prerrogativa funcional para, de modo unilateral e arbitrário, proceder à alteração no sistema de informações fiscais, mormente quando tal ato beneficiava diretamente a si própria e à sua família, configurando, assim, evidente desvio de finalidade e grave violação ao dever de probidade”, falou.

Completaram a turma de julgamento os desembargadores Claudio Augusto Pedrassi e Luciana Bresciani. A decisão foi unânime.

TST valida registro de catraca como prova de jornada de trabalho

A 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) validou os registros de entrada e saída de catraca eletrônica como meio de prova para a jornada de trabalho de um contador que atuava em um banco. Para o colegiado, esses controles são suficientes para refutar a jornada declarada pelo empregado, tornando desnecessária a apresentação de cartões de ponto tradicionais.

Na ação trabalhista, o contador pleiteava o pagamento de horas extras, alegando que trabalhava das 9h às 22h, de setembro de 2011 a fevereiro de 2015.

Em sua defesa, a instituição financeira apresentou os registros da catraca referentes a 2014 e 2015, argumentando que a jornada real do funcionário era menor do que a que ele indicou.

A princípio, o juiz de primeira instância acatou a versão do contador, justificando sua decisão pela falta de controles formais de ponto por parte do banco.

No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região considerou os registros eletrônicos apresentados pela empresa como válidos. Contudo, o TRT limitou a abrangência dessa prova apenas ao período documentado, ou seja, os anos de 2014 e 2015.

Ao analisar o caso no TST, o relator, ministro José Roberto Freire Pimenta, validou os registros da catraca como prova para o período em que foram apresentados. Para os anos sem documentação, ele manteve os horários informados pelo contador.

O ministro destacou que, de acordo com a Súmula 338 do TST, a falta de controles de frequência sem justificativa cria uma presunção relativa de veracidade da jornada alegada pelo trabalhador, que pode ser desconsiderada por prova em contrário.

Nesse contexto, ele ressaltou que o TRT havia explicitamente afirmado que “os controles de acesso (catraca) servem como meio de prova das horas cumpridas pelo reclamante”, e que deveriam, portanto, ser levados em conta.

Com base nisso, o colegiado, por unanimidade, seguiu o voto do relator e manteve a decisão do TRT da 2ª Região.

Fachin defende que simples declaração de pobreza é suficiente para acesso a justiça gratuita

O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta sexta-feira (27) a favor do reconhecimento da autodeclaração de insuficiência de recursos como meio válido para concessão da Justiça gratuita a quem recebe até 40% do teto da Previdência Social — cerca de R$ 3,3 mil mensais. No entanto, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. O debate gira em torno da interpretação da reforma trabalhista de 2017, que inseriu critérios para o benefício da gratuidade de Justiça, sem detalhar os meios de comprovação da condição econômica dos requerentes.

A ação em discussão foi iniciada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif). A entidade, por sua vez, argumenta que a Justiça gratuita deve ser concedida apenas a quem comprovar renda de até 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, valor que hoje se aproxima de R$ 8,2 mil por mês.

Com a reforma trabalhista implementada em 2017, a CLT passou a prever a concessão da Justiça gratuita. O benefício é destinado a quem recebe salário igual ou abaixo do limite estabelecido, contanto que se comprove a “insuficiência de recursos para arcar com as custas do processo”.

A principal questão em debate no Supremo Tribunal Federal é se a autodeclaração de hipossuficiência econômica é suficiente para garantir a gratuidade na Justiça do Trabalho. O Código de Processo Civil (CPC), por sua vez, já estabelece que essa alegação é considerada verdadeira por presunção.

Contrariando essa perspectiva, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) argumenta que a simples declaração não é o bastante. No entanto, a Súmula 463 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), também de 2017, apresenta um entendimento oposto. Recentemente, no final do ano passado, o Pleno do TST reafirmou sua posição sobre o tema.

A Consif, como autora da ação, apontou para decisões anteriores que desconsideraram partes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e aplicaram as normas do CPC e a súmula do TST.

VOTO DO RELATOR

Fachin, ministro relator do caso, avalia que as mudanças introduzidas pela reforma trabalhista são, de fato, constitucionais. No entanto, ele enfatizou que a norma do Código de Processo Civil (CPC) também se aplica ao âmbito da Justiça do Trabalho, validando, assim, o teor da súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

De acordo com o ministro, a reforma trabalhista trouxe uma exigência objetiva para a comprovação da insuficiência de recursos, “mas não tratou da forma desta comprovação, nem tampouco vedou a autodeclaração”.

Para Fachin, as alterações não anularam a presunção de veracidade da autodeclaração. Em vez disso, elas apenas estabeleceram um teto salarial como critério de insuficiência, sem, contudo, especificar a forma de avaliação desse limite.

O ministro salientou que, na ausência de regulamentação específica para processos trabalhistas, as normas do Código de Processo Civil (CPC) devem ser adotadas, conforme já previsto no próprio Código.

No entanto, Fachin enfatizou que indivíduos que apresentarem alegações falsas de insuficiência de recursos podem ser responsabilizados, inclusive na esfera criminal. O relator também pontuou que a autodeclaração de hipossuficiência pode ser contestada pela parte adversária a qualquer momento.

Por fim, o ministro elucidou que a gratuidade da Justiça não representa uma dispensa total e permanente. Ele esclareceu que, mesmo após a concessão do benefício, caso a situação financeira da pessoa melhore a ponto de superar a condição de insuficiência, ela estará obrigada a arcar com as custas e demais despesas processuais.

Juiz condena usina a pagar R$ 500 mil por excesso de carga no transporte de cana-de-açúcar

O juiz João Baptista Cilli Filho, da 1ª Vara do Trabalho de Sertãozinho (SP), proferiu uma sentença contra a Usina São Francisco S/A, condenando-a a pagar R$ 500 mil em indenização por danos morais. A condenação deve-se à prática da usina de permitir a sobrecarga de peso no transporte de cana-de-açúcar.

Na avaliação do magistrado, foi claramente demonstrado que a usina desrespeita a legislação em vigor, autorizando caminhões a excederem o limite de peso permitido. Conforme o juiz Filho, um laudo pericial serve como prova irrefutável de que a empresa permite, ou até mesmo obriga, seus motoristas a transportar cana-de-açúcar com peso superior às 74 toneladas permitidas, colocando a segurança deles em risco. Além da indenização, o magistrado impôs uma série de exigências a serem cumpridas pela Usina São Francisco.

A ação civil pública foi iniciada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para corrigir as irregularidades no transporte de cana-de-açúcar, especificamente o excesso de peso dos caminhões em cidades do interior de São Paulo. A usina já estava sendo investigada pelo MPT devido a diversas denúncias de sobrecarga ilegal nesse tipo de transporte.

Conforme o MPT, os registros das últimas pesagens fornecidos pela própria empresa confirmaram que havia excesso da carga permitida. Alguns veículos chegavam a transportar até 134 toneladas. É importante ressaltar que a Resolução 882/21 do Contran e a Portaria 268/2022 do Denatran estabelecem que o Peso Bruto Total Combinado (PBTC) para o transporte de cana-de-açúcar deve variar entre 57 e 74 toneladas.

A usina, por sua vez, defendeu-se alegando que as normas de trânsito teriam como objetivo a proteção das vias, e não a segurança dos motoristas. Segundo a empresa, as regulamentações do Contran não seriam válidas para veículos que transitam em estradas rurais ou privadas. Argumentou ainda que as especificações dos fabricantes dos veículos preveem uma capacidade de carga superior ao que é normatizado.

Adicionalmente, a Usina São Francisco sustentou que o peso do veículo não implica automaticamente um risco de acidentes, e que a questão do peso da carga não é regulamentada pela NR-31. Por fim, afirmou que não existem provas de que seus motoristas são expostos a riscos, e que não há registros de acidentes envolvendo seus caminhões de cana-de-açúcar causados por excesso de peso.

Ao analisar o caso, o juiz determinou que a conduta da usina põe em risco a segurança e a saúde dos motoristas, além de expor a comunidade a acidentes de trânsito e danificar as estradas devido ao peso excessivo das cargas. Mesmo com o laudo técnico indicando “a possibilidade de termos um PBTC (Peso Bruto Total Combinado) até 100 toneladas com segurança para o trabalhador desde que a velocidade máxima não ultrapasse 60 km/h”, o magistrado considerou que esse estudo demonstra apenas a capacidade dos veículos e não anula a validade das normas vigentes.

Assim, o juiz enfatizou que o parecer técnico e os depoimentos – que atestavam manutenções regulares, controle de velocidade e alertas ao ultrapassar 60 km/h – não podem anular as leis e regulamentos de trânsito. Ele explicou que os limites legais servem como medidas preventivas para a segurança viária e para proteger a integridade física dos motoristas.

Além disso, o magistrado considerou que a conduta da Usina São Francisco afetou o bem-estar coletivo, ao colocar em risco a vida de trabalhadores, sejam eles empregados ou prestadores de serviço,  por “manifesta violação de normas de ordem pública, sujeitando-os ao cumprimento de ordens superiores para o transporte de cana de açúcar sem respeitar os limites de peso estabelecidos na legislação de trânsito”.

“Ainda que o peso transportado esteja em consonância com o fabricante, há de se considerar outros fatores como o estado de conservação e manutenção das estradas – principalmente as vicinais que são as mais utilizadas no transporte canavieiro e muitas em condições precárias –, a visibilidade do motorista, a segurança dos demais transeuntes, a intensidade de tráfego, que, por si só, expõem o trabalhador a uma atividade de risco constante”, pontuou Filho.


Para o magistrado, a segurança no ambiente de trabalho é um direito fundamental dos empregados, garantido pela Constituição Federal, e um dever inalienável do empregador, conforme estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Por isso, ele enfatizou que a proteção legislativa, pautada em critérios sociais, políticos e de precaução, deve prevalecer sobre quaisquer pareceres técnicos de fabricantes ou perícias.

O juiz também observou que a ocorrência ou não de acidentes é indiferente para o desfecho da ação. Afinal, transportar carga com peso excedente aos limites legais não é apenas uma infração de trânsito, mas também configura uma clara violação às normas de segurança do trabalho. “E se tratando de meio ambiente laboral seguro, a requerida deve continuamente promover a prevenção, não só realizando as condutas citadas pela única testemunha ouvida, mas em especial e primordialmente, cumprindo a legislação de trânsito”, disse.

Ele ainda salientou que o reconhecimento do dano moral coletivo e sua devida reparação vão além da noção de sofrimento ou dor individual. Isso porque tal dano atinge diretamente a dignidade de toda uma coletividade. “Neste contexto, a coletividade é tida por moralmente ofendida a partir do fato objetivo da violação da ordem jurídica”, afirmou Filho.

Para finalizar, o juiz estabeleceu em sua decisão que os valores provenientes das multas e da indenização por danos morais serão destinados a fundos de proteção de direitos difusos e coletivos, a serem definidos posteriormente. Como alternativa, e a critério do procurador do Trabalho responsável pela ação, o montante poderá ser revertido em doações ou no custeio de órgãos públicos e associações sem fins lucrativos que atuem na defesa dos direitos trabalhistas ou de interesses difusos e coletivos.

DETERMINAÇÕES IMPOSTAS PELO JUIZ

Na sentença, além de condenar a usina ao pagamento de indenização por danos morais, o magistrado impôs uma série de adequações. Ele exigiu que a empresa coloque em todos os seus veículos e equipamentos de transporte de cana, em local de fácil visualização, uma inscrição com o peso máximo permitido da carga. Essa regra vale para qualquer motorista – próprio, de terceiros ou autônomo – e para veículos próprios ou alugados.

O juiz estabeleceu um prazo de 15 dias após a decisão se tornar definitiva para o cumprimento. Caso a usina não siga a determinação, será aplicada uma multa de R$ 2 mil para cada equipamento sem a inscrição de peso máximo, além de uma multa diária de R$ 200 até a regularização.

Alesp aprova mais de mil novos cargos para juízes no TJ-SP

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) está se preparando para ampliar sua atuação após a aprovação do Projeto de Lei Complementar 42/2024 pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) na quarta-feira, 26 de junho. A medida, proposta pelo próprio TJ-SP, criará 1.120 novos cargos e 80 novas salas de audiência .

As novas funções criadas incluirão juízes, escrivães de tribunal, oficiais de justiça, chefes de seção e escrivães técnicos de justiça. Notavelmente, 240 desses 1.120 cargos serão preenchidos por nomeações da comissão .

“A criação das novas varas é uma medida necessária para garantir a eficiência e a celeridade do sistema judiciário diante desse significativo aumento populacional. A aprovação deste projeto está fundamentada na necessidade de adequar a estrutura judiciária à realidade demográfica e às demandas da população paulista, assegurando que o sistema continue a funcionar de maneira eficaz e justa”, disse o desembargador Fernando Antônio Torres Garcia, presidente do TJ-SP, na justificativa do PLC.

As novas varas judiciais terão duas classificações. As de entrância final serão implementadas em comarcas de grandes cidades com mais de 100 mil eleitores. Já as de entrância intermediária serão destinadas a comarcas com mais de 50 mil eleitores.

O Projeto de Lei Complementar (PLP) agora aguarda a sanção do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para ser efetivado.