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Sob o olhar de outro

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Se tivéssemos a oportunidade de conversarmos com outra versão nossa, que possuísse uma visão isenta da nossa própria vida e opinasse sobre nossas escolhas, será que estaríamos preparados para ouvi-lo?

Essa oportunidade real surgiu para Tom Matias (pseudônimo) em meados da década passada, quando retornava de São Paulo, capital, para Natal/RN, em um ônibus leito de famosa Companhia Rodoviária de Transporte Interestadual da época.

Quando o ônibus já atravessava o Estado da Bahia, próximo a Feira de Santana, larápios colocaram pedras na estrada em uma tentativa de pará-lo, mas o motorista acelerou e furou o bloqueio, tendo seguido em frente.

No entanto, no mesmo momento em que o veículo desviava da barreira clandestina, os criminosos arremessavam seixos de pedra e um deles atravessou a janela e atingiu violentamente a cabeça de Tom Matias, que foi socorrido para a emergência do secular Hospital Dom Pedro de Alcântara, em Feira de Santana, com fratura craniana e perda de massa encefálica.

A empresa de ônibus deu a assistência devida a Tom Matias, pois, logo depois dos primeiros socorros e de estar estabilizado para viajar, os diretores da companhia o transferiram para o Beneficência Portuguesa, em São Paulo, assumindo todos os custos de seu tratamento.

Depois de 9 meses internado, dos quais 5, em coma, mais 8 meses de fisioterapia e com a incrível sequela da perda de sua memória histórica (não se lembrava de absolutamente nada antes do momento em que acordou na uti), Tom Matias reaprendeu as atividades do cotidiano, como escovar os dentes, por exemplo, e foi novamente apresentado a sua esposa e filhos, completos estranhos para a perplexidade dele, que haviam sido levados, pela empresa, a São Paulo para acompanharem o chefe da família.

Assim que teve alta do hospital, Tom Matias foi acomodado, pela empresa de ônibus, em um confortável apartamento no bairro de Bela Vista, passando a receber um valor mensal para o seu custeio e de sua família.

Durante todo o período da fisioterapia, esta família potiguar teve um tempo agradável, apesar da tragédia, pois, com certa condição financeira dada pela companhia, viveu experiências que jamais sonhou, exceto Tom Matias, que não recuperou sua memória histórica e tudo, para ele, era novo, estranho e empolgante.

Um ano e meio se passou até Tom Matias e sua família desembarcarem no Aeroporto Augusto Severo e serem transportados, pelo receptivo da companhia, ao seu lar, tendo passado pela Zona Sul, Oeste, atravessado a Ponte Pte Costa e Silva (Ponte de Igapó) e seguido até um bairro paupérrimo, com ruas sem calçamento, esgoto à céu aberto e lixo por todo lado.

Tom Matias estava chocado com a paisagem tão diferente e distante da Bela Vista paulistana, até que o motorista parou em frente a uma casinha de 10 metros de frente, sem estuque e reboco, e disse as palavras:

– Pronto, senhor. Chegamos.

Ele desce devagar, olha para a esposa com profundos desgosto e tristeza e diz:

– Como eu sou preguiçoso! Por que você se acomodou nesse casamento comigo?

A verdade é que o novo Tom Matias, embora possuísse as mesmas dificuldades de antes do fatídico dia, teve um vislumbre de como não queria ser e passou a se dedicar intensamente para mudar a realidade de sua vida, construindo um novo caminho para si e sua família.

Sim, ele conseguiu. Anos depois, já inaugurava a sua quarta loja de bairro e formado 3, dos seus quatro filhos, passando a conquistar o lugar ao sol que há muito havia desejado, mas que o velho Tom achava impossível.

A parte difícil disso tudo, segundo a experiência de Tom, é abandonarmos as más memórias, dentre elas as frustrações, mágoas e ressentimentos que geram crenças limitadoras e medos, e abraçarmos as oportunidades que a cada novo dia nos proporciona a fim de realizarmos nossos sonhos, reconhecendo, sempre, que nós somos os protagonistas de nossas próprias vidas.

Que seja a razão e o autoconhecimento e, não, uma tragédia, a nos libertar das amarras do passado que nos faz desperdiçar o agora.

Kennedy Diógenes, Advogado eleitoralista, Ouvidor-geral da OAB-RN, Secretário-geral do IPDE. Sócio do DMD Advogados.

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