- Amicus Curiae no Tema 1102 pelo IEPREV (Instituto de Estudos Previdenciários)
Desde o início do julgamento do Tema 1102 no STF (Revisão da Vida Toda) alertamos sobre os números irreais que o INSS trouxe para a mídia e o poder judiciário sobre o impacto estrutural e financeiro da ação. Sempre que uma tese previdenciária chega aos tribunais superiores a Autarquia busca assustar os julgadores com números, que neste caso em particular, fugiram consideravelmente da realidade da ação.
Debatemos e comprovamos que os números não correspondiam a realidade do processo, em razão de diversos critérios, dentre eles a decadência (prazo de 10 anos para ajuizar a ação) e o fato de ser uma ação de exceção. E agora, no mês de julho de 2023, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região disponibilizou a NT 18 de 2023, elaborada por seu Centro de Inteligência.
O estudo realizado pelo TRF traz um dado que nos chamou atenção: o número de 12 mil processos de aposentados que buscam a Revisão da Vida Toda no TRF3.
Este número confirma que o INSS traz aos julgadores dados inflados e irreais. Vale destacar o voto do Ministro Gilmar Mendes, que faz menção aos dados superestimados trazidos pela Autarquia. O INSS afirmava para a mídia e também para o poder judiciário que mais de 50 milhões de pessoas estariam habilitadas a requerer o direito.
Possivelmente, com o desmembramento do TRF1, o TRF3 é o que hoje possui o maior número de processos que tratam deste tema. Resta a dúvida, se toda a jurisdição do TRF3 possui 12 mil processos sobre a RVT, como o INSS trouxe números tão altos? Isso não poderia ser caracterizado como uma litigância de má fé? Se estimarmos uma média de 10 mil processos por TRF, teremos um número que não corresponde a 0,15% do que o INSS alega. Isso demonstra que ocorreu no mínimo uma deslealdade processual, com pessoas idosas, e na sua maioria doentes.
A revisão possui uma peculiaridade, pois diminui diariamente o número de pessoas que podem buscar o direito, em razão da decadência. Hoje o volume de novas ações diminuiu consideravelmente. E é importante ressaltar que neste volume apurado, muitos aposentados não possuem o direito, pois os cálculos não serão vantajosos e outros pelo fato do direito ter decaído.
A autarquia previdenciária alega que a revisão traria um impacto estrutural que a impossibilitaria de cumprir o decidido pelo STF. Ocorre que ela já cumpriu revisões muito mais expressivas, quando seu aparato tecnológico era menos preparado, como é hoje. Citamos aqui as revisões dos Tetos, IRSM, artigo 29, ORTN, a do Melhor Benefício.
Tal alegação se mostra como um “terrorismo estrutural” que não reflete a realidade, onde afirma para a mais alta Corte do país que não possui software para a realização dos cálculos, se esquecendo do seu sistema (extremamente eficiente): o E-Pcalc. E mais, até mesmo se esquece da Portaria 21 de novembro de 2020, onde editou parâmetros para o cumprimento da decisão. Ou seja, obviamente o INSS está pronto para o cumprimento do decidido pelo STF.
Sobre o terrorismo financeiro, o INSS levou para a mídia um custo superior a 300 bilhões de reais com a ação, porém não juntou tais dados no processo, por entender que os mesmos seriam sumariamente repelidos pelos julgadores. Mas cita este estudo em seus embargos de declaração (Nota Técnica 12/2022 DIRBEN.
Esta se mostrou como uma ação de exceção, e no estudo o INSS não a trata de tal maneira, na verdade ele traz até mesmo um número maior de pessoas habilitáveis para a revisão do que o universo de segurados que hoje recebem benefícios. Uma clara maneira de novamente subestimar a mídia e a população brasileira.
É uma ação de exceção, pois o normal em nossa vida laboral é que os salários aumentem ao passar dos anos trabalhados. Observem a clara fuga da realidade na busca de manipular os dados e inflarem os números: a Previdência paga hoje 36 milhões de benefícios, sendo estes anteriores ou não a 1999, sendo benefícios de trabalhadores rurais que se aposentaram sem contribuições, benefícios assistenciais, salário maternidade, dentre outros, que não são cabíveis de revisão. Mas ele não diz que a revisão, de exceção, se aplica para todos, ele vai além, afirma que cabe para mais de 50 milhões de benefícios.
Estes números foram inflados com benefícios cessados, suspensos e outros milhões que já decaíram, indo contra a sua própria legislação (artigo 103 da Lei de Benefícios). Isso não é apenas uma afronta a sua legislação, é também ignorar a seriedade que os processos devem ser tratados. Diante de todas as inconsistências, e principalmente a fuga da realidade social, processual e procedimental, o impacto da ação é milhares de vezes menor do que o alegado pela Autarquia. E o TRF3 confirma este raciocínio na NT 18 de 2023.
O STF trouxe com a decisão na revisão da vida toda a renovação na esperança dos aposentados, pessoas que por décadas contribuíram aos cofres públicos e foram prejudicadas em seus cálculos. É visível a confiança que estas pessoas possuem no Tribunal, porém, o INSS está buscando retirar tal confiabilidade, até mesmo se socorrendo da mídia com informações que fogem da realidade da ação.
O pedido feito pelo INSS em seus embargos de declaração, para que os efeitos financeiros da ação ocorram à partir do julgamento, significaria chancelar a ilegalidade previdenciária rechaçada pelo acórdão embargado, tornando sem efeito as razões que levaram a Corte a conferir interpretação conforme a aplicabilidade da regra permanente quando a regra de transição for mais desfavorável, ferindo os princípios previdenciários e a hermenêutica da norma.
A modulação temporal não deverá ser aceita, pois se mostraria como um salvo-conduto para que a Autarquia continue cometendo ilegalidades com os mais necessitados, sem precisar arcar com as responsabilidades impostas pela lei. Estes aposentados que tiveram suas sacolas de mercado esvaziadas, contas de água e luz atrasadas e a compra de medicamentos adiadas, merecem a compensação financeira por terem sido lesados.
Esperamos que o atual Governo Federal, que traz em sua bandeira a defesa dos direitos sociais, tenha ciência da manobra inverídica utilizada pelo INSS para barrar a revisão, pois milhares de aposentados lesados em seus benefícios previdenciários dependem deste direito para viverem com dignidade.
Temos a convicção de que tal manobra será repelida pelo STF, que trouxe justiça e dignidade na vida de muitos aposentados que injustamente foram obrigados a sobreviverem com valores de benefícios inferiores aos devidos. A mais alta Corte do país, mais uma vez, nos trouxe confiança de que os direitos sociais são respeitados e devem ser cumpridos.
A NT 18 elaborada pelo TRF3 comprova que a narrativa trazida pelo INSS não corresponde à realidade da ação, e o terrorismo financeiro e estrutural foi aumentado em cerca de 833 vezes (8323%!), se fizermos uma estimativa do número de processos que estão na jurisdição deste Tribunal com os outros cinco Tribunais Regionais Federais. Isso merece e deve ser combatido.
João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.